quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Paçoca e seus quitutes



No início foi uma longa paquera. Eu morava num apartamento com dois gatos e um marido. Menciono os gatos primeiro porque, quando me juntei ao meu marido, o Picolé (hoje com 9 anos) e a Milka (7) já dividiam o lar comigo. Meu marido, o quarto membro da casa, se adaptou muito bem a nós três e nós a ele. Aliás, estávamos os quatro muito felizes e com a “lotação” na época. Mas aí, quando a gente menos espera, quando acha que o coração já está totalmente preenchido, eis que pinta aquela paquera... Estou falando de uma gata escaminha que conheci na garagem do meu prédio na Asa Norte.
No primeiro dia em que a vi, ela estava acompanhada de um gatão vesgo, rajado de cinza. Não resisti e passei horas na garagem tentando conquistar os dois. Levei ração, água e muitos afagos e carinhos. Eu queria tirá-los da garagem, com medo de que fossem atropelados ou que alguém fizesse mal a eles. Conversei com o porteiro e ele me disse que o gato já era conhecido, que viva nas redondezas da quadra há tempos e que havia uma senhora que deixava comida para ele todos os dias. A gata era nova no pedaço.
Com receio de que os meus gatos não se adaptassem a novos amigos felinos ou até que pudessem contrair alguma doença, não trouxe para casa os dois. Mas entrei no apartamento e o meu coração ficou na garagem. Mandei mensagens para as associações e ONGs de proteção a animais que eu conhecia com um apelo para que alguém os adotasse, mas, apesar do apoio que tive, ninguém se manifestou para abrigá-los.
No dia seguinte, o gatão já não estava mais na garagem. A gata, sim, pequenina, sujinha e indefesa. Ela havia encontrado abrigo debaixo do carro do meu vizinho, que estava viajando. E lá ficou por mais uns dois ou três dias. Eu estacionava o carro e lá estava ela, arredia no começo, mas derretida de carinho quando eu a chamava para conversar. Depois, era eu entrar em casa e o choro começava. Ela na garagem, eu no meu apartamento. O meu coração cada vez mais lá com ela, com medo do que pudesse acontecer. Até que meu marido implorou: “se for pra você chegar em casa chorando todos os dias, traga logo ela pra casa!”.
Ah, era só o que eu precisava ouvir!


Quando a trouxemos, ela era bem magrela e escurinha. O primeiro banho que dei – a que ela não resistiu – revelou que o escuro era uma capa de sujeira. O nome que escolhemos ao ver a pelagem que apareceu foi unânime: Paçoca. Para minha surpresa, o Picolé e a Milka não demoraram muito para adotá-la também. Algumas rosnadas, umas encaradas, aquelas cheiradas mais profundas, um estranhamento aqui, outro ali e pronto! A Paçoca era o mais novo membro ronronante da família.
E para provar que sempre há espaço no coração da gente, depois de dois meses, a Paçoca nos presenteou com quatro surpresinhas lindas: Quindim, Pipoca, Remela e Mandela.



Três loirinhos e um pretinho, todos machos, prováveis resultado do affair com o gatão vesgo da garagem, já que lá em casa era todo mundo castrado (oooops, menos eu e o meu marido, é claro).
Hoje a gente diz que há 51 vidas lá em casa. As sete dos sete gatos e uma de cada um de nós. Não, não conseguimos doar os gatinhos que nasceram debaixo da minha cama há quase três anos. Ninguém seria bom o suficiente para as nossas exigências. E o que eu aprendi com a Paçoca e seus “quitutes” foi que não devemos resistir aos apelos do coração. ADOTAR É TUDO DE BOM!!!!




Veridiana Steck mora em Brasília, tem 35 anos e é funcionária pública. Além de contribuir financeiramente com alguns grupos de proteção, ela mantém em sua chácara dois cavalos adotados no programa Aposente um Pangaré, da Proanima.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Universo Conspira a Favor de quem Faz o Bem


Tudo começou com uma foto compartilhada no facebook.
À primeira vista era impossível não pensar na dor daquela cadelinha. Depois bateu a revolta ao pensar: como alguém tem coragem de deixar um animal nesse estado? É muita crueldade!
A mistura desses sentimentos nos fez pensar no que poderíamos fazer para ajudar aquele anjinho. Para começar, entramos em contato com a responsável pela denúncia, Laine Carvalho.
A partir dessa conversa, ficou tudo acertado e, na manhã de sexta-feira, dia 2 de dezembro, saímos da Asa Sul rumo a Samambaia (região do entorno do Distrito Federal), onde a cadelinha se encontrava. O percurso dura aproximadamente 45 minutos. Chegando lá encontramos com a Laine, no estacionamento do Hospital Regional de Samambaia (HRSam). O local onde a cadela estava era próximo dali, num terreno que serve como depósito para materiais de construção de uma madeireira. No canto do terreno estava ela, com um imenso tumor na face, mas um encantador brilho no olhar. Mansa e carinhosa, aquela cadelinha amedrontada aceitou nossos carinhos logo de cara e aproveitou para comer um pouco de comida que havíamos levado. Ao lado da árvore em que estava amarrada havia uma casinha de madeira, improvisada. Ali, no meio de vários entulhos e também amarrado por uma corrente estava outro cão, que nem sabíamos que estaria lá, também muito dócil e atencioso. Pelos vestígios no chão, os dois eram alimentados com restos de galinha e verduras. A vasilha de água tinha mais sujeira do qualquer outra coisa. Aliás, em todo o ambiente, muito lixo misturava-se aos excrementos dos dois. Uma situação de total abandono e falta de respeito com a vida.
Ficamos todos impactados com aquela cena, mas, afinal de contas, estávamos lá para resgatá-los e providenciar cuidados para que ela, principalmente, fosse tratada com rapidez. Ficamos receosos se conseguiríamos levá-los, porque havia dois trabalhadores da madeireira no local. Eles, a princípio, disseram que nem sabiam da existência dos cães, mas, quando viram que realmente iríamos levá-los, ligaram para outro funcionário, que diziam ser o “responsável” pelos animais. Não demorou muito e esse senhor chegou, dizendo que estaríamos fazendo um favor para ele levando a fêmea para se tratar, mas não queria que pegássemos o macho. Impossível deixar aquele animal ali, daquela forma. Então, mesmo sob os protestos dele, colocamos os dois dentro do carro e partimos rumo ao Hospital Veterinário São Francisco, que fica próximo à Hípica.
O resto da história, muitos já conhecem. Kiara e Kimbo foram apadrinhados pelo grupo Salvando Vidas Protetores Independentes - SVPI e estão internados. Kimbo está saudável e prontinho para encontrar um novo lar. Kiara já se submeteu a duas cirurgias para tratamento do terrível tumor na face. O resultado da biópsia apontou mesmo para carcinoma e ela passará pelo tratamento de quimioterapia. Se depender das torcidas e orações que esta história provocou, ela ficará boa e se tornará a doce companhia de uma linda família, muito amorosa. Boa parte dos custos para o tratamento desses dois veio das rifas que o grupo Ação Animal DF (Suzana, Nena e Gy) fez. Rifas que só acontecem porque todo mundo se dispõe a doar um pouquinho, seja nos prêmios, seja ao comprar um bilhete.
Essa é apenas a descrição de como ocorreu o resgate e depois, de como as forças se juntaram em prol dessas duas criaturinhas, vítimas de gente cruel, ignorante e egoísta. Dois anjinhos que não representam nem metade dos cães que sofrem com a negligência dos “donos”.
Alguns já devem ter passado por isso, mas pra quem nunca teve essa experiência: vocês não sabem como é satisfatório ver um animal ser resgatado e saber que, daquele dia em diante, ele será bem cuidado! A Kiara nos deu uma lição que levarei para o resto da minha vida: durante o percurso ela mantinha o brilho no olhar e transmitia uma alegria intensa, apesar da dor.  Kimbo foi quietinho no porta-malas e, quando desceu do carro, nos seguia como se fossemos seus donos há anos.
Essa confiança, essa alegria deles, não tem preço e você também pode experimentar isso se não cruzar os braços diante da dor desses nossos irmãos. Sem medo do que vem depois, arregaçar as mangas e providenciar o socorro, o tratamento, e empenhar-se para que consigam lares em que os animais, de fato, sejam tratados com o respeito e carinho que merecem.
O universo conspira a favor de quem faz o bem.

Nathalia Fleger, mora em Brasília, é estudante

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quando eu morrer, quero ir para o céu dos cachorros!



Desde que me entendo por gente, sempre convivi com cachorros.
Já tive duas Princesas, Samanta, Zigy, Pituxa, Faruk e, sou a feliz mamãe (ou vovó) da Jujuba e da Gigi.
Hoje, em meio à saudade de todos que já foram, minha homenagem vai para uma linda mocinha, a Pituxa.
Tínhamos acabado de perder a Princesa para um tumor no útero. Eu estava arrasada, sentindo muito a falta dela, daquela coisinha preta, de pêlo liso e brilhante e pernas curtinhas que adoravam pular para pedir carinho. A doença dela foi repentina, nem lembro como aconteceu, só sei que entre cirurgia e a ida dela, foi tudo muito rápido e doloroso.
Enfim, ficamos sem ela e o vazio estava muito grande...
Então, um dia, percebemos a presença dela, daquela que seria a futura Pituxa, ao longe, discreta. Suja, muito magra e machucada.
Só a víamos muito de longe e começamos a observá-la. Ela tinha verdadeiro pavor do ser humano, provavelmente, herança do tratamento que recebia pelas ruas e bastava que a gente olhasse em sua direção, que ela já corria, com o rabo entre as pernas e gritando, como se tivesse levado uma pedrada. Era triste vê-la naquelas condições e não conseguir, sequer, uma aproximação.
Assim, passaram-se semanas. Ela ia e vinha pelos arredores lá de casa, como se estivesse também nos observando e sempre de longe.
Resolvemos colocar comida na porta de casa e minha mãe caprichava no cardápio, com muita carne, bem cheiroso, na tentativa de atraí-la. E ela resistia! Deixávamos na porta de casa por vários dias e a comida amanhecia do mesmo jeito. Insistimos bastante, até que, um dia, ela, provavelmente vencida pela fome, superou seu imenso medo de nós, seres humanos, e comeu! Comemoramos, olhando para ela de longe.
Ficamos nesse namoro por um bom tempo. Ela vinha comer de vez em quando, bebia a água que colocávamos e foi se aproximando. Muito devagar ela estava aceitando nossa sutil aproximação também e conseguimos ficar por perto um dia enquanto ela comia. Mais umas semanas e conseguimos chegar perto do prato com ela lá, comendo! Ela nos olhava com muito medo, rabinho baixo, mas estava comendo e isso era o suficiente para nós, naquele momento, que ela se alimentasse. Muito tempo depois, não lembro quem foi, conseguiu encostar a mão nela! Uma vitória, diante de toda a resistência.
Depois disso, nosso namoro foi avançando e da mão sutilmente encostada, fizemos um afago, um carinho mais demorado, uma tentativa de abraço. Deixamos uma grande caixa de papelão na varanda da casa e esperamos o dia em que ela resolvesse entrar. Ela entrou e de lá não mais saiu. Finalmente, demos banho, limpamos as orelhinhas, ela estava imunda, tratamos os machucados e ela começou a engordar a olhos vistos. Foi batizada: PITUXA e bem rápido reconheceu seu nome, muito esperta ela era! Ela era loura, de porte médio, olhos escuros e ar de rainha, altiva, serena, uma lady.
Como a casa ainda não tinha muro, não tínhamos como mantê-la dentro e ela dava umas escapadas, afinal, estava acostumada a não ter barreiras na rua. Em uma dessas vezes, ela cruzou e preparamos tudo para a chegada dos filhotinhos, que vieram em uma madrugada de chuva torrencial em que chegamos em casa tarde da noite e a procuramos por todos os lados e nada. Cadê a Pituxa, debaixo dessa chuva e com aquela barriga? Até que a encontramos. Ela, que já devia ter sido mãe em outras ocasiões e, por certo, na rua, havia cavado um buraco enorme na piscina que estava sendo construída, uma espécie de túnel e estava deitada lá no fundo, já em trabalho de parto e no meio da lama. Não tínhamos a menor experiência com partos e ela estava mal acomodada, suja de lama e o “ninho” que tinha providenciado rapidamente ia ficar cheio de água, o que poderia afogar os filhotinhos. Ela preparou aquele “ninho” bem rápido, apesar da barriga enorme, e debaixo da chuva, em um intervalo em que saímos de casa, desconsiderando a “maternidade” que tínhamos preparado para ela. É... A vida para essa mocinha não deve ter sido fácil, ela teve que se virar em muitas situações!
Foi um esforço enorme tirá-la daquele buraco, muita chuva e muita lama, ela muito pesada e nós, morrendo de medo de machucá-la. Em momento algum ela perdeu o jeitinho doce e meigo, mesmo sentido as dores do parto e sendo retirada do ninho perigoso que cavou.
Nasceram os bebês. Ela fez tudo sozinha, foram 11 filhotes. Ficou ao lado deles todo o tempo, sem reclamar quando íamos pegá-los, sem reclamar de absolutamente de nada, mesmo quando aquela galerinha toda cresceu e ficava mamando nela com aquele monte de dentinhos! É claro que nossa decisão peremptória era não ficar com mais nenhum cachorro, afinal, tínhamos sofrido tanto com a Princesinha. Mas, aí conhecemos o Ziggy, o maior e mais gordinho dos bebês e de olhos azuis! Atrapalhado, caía dentro do prato de leite, comia rápido para comer a comida dos irmãos, uma doçura. Fomos vencidos e ficamos com ele. O Ziggy era realmente uma figuraça e merece uma homenagem só dele, diante de tantas situações hilárias que protagonizou.
Mas a Pituxa continuava lá, linda! Nunca conheci uma cachorrinha mais meiga. Brincava de forma comedida, sem nos derrubar como fazia seu filho; jamais entrava em casa, mesmo quando deixávamos a porta aberta; foi uma mãe exemplar, em todas as três gestações que teve conosco, sempre com mais de dez filhotinhos; aguentava sem reclamar quando seu filho, o Ziggy, continuava engolindo a comida bem rápido e ia comer a comida do prato dela. Tinha umas manias muito doidas, é verdade, acho que era caçadora, já caçou tatu, pássaros e adorava cavar um buraco, principalmente nos canteiros de flor da minha mãe ou no canteiro de alface, tomate, morango... Minha mãe adorava!
E o tempo foi passando. Não sabíamos a idade que tinha, mas sempre foi ativa e alegre. Até que em determinada época, começou a definhar lentamente. O pêlo foi perdendo o viço, o apetite foi mudando, as brincadeiras, rareando... Não sabíamos o que fazer. O veterinário receitou vitaminas, fez exames e nada de conclusivo. Mudamos a alimentação e o quadro não melhorava. Tinham épocas em que ela ficava melhor, noutras, decaía... Seu pêlo caiu, seus olhos ficaram branquinhos, mas ela continuava enxergando. Hoje, se fala muito em leishmaniose e acho, pelos sintomas que me recordo, que ela devia ter isso, mas nunca foi diagnosticado.
Ela ficou mal. Quase não se levantava mais para comer, estava fraca. Procuro pensar que fizemos tudo que estava ao nosso alcance para ajudá-la, não sabíamos de sua vida anterior, se tinha alguma doença crônica, não sabíamos de nada, só que a vimos suja e magra e quisemos muito ajudá-la e trazê-la para perto de nós, para “debaixo de nossa asa”. Às vezes me pego pensando que poderíamos ter feito mais, em termos médicos, sei lá. Tenho certeza que em termos de amor e cuidados, ela recebeu tudo e muito mais. Quando ela não conseguia mais se levantar para comer, dávamos comida na boca. Minha mãe preparava mingau bem molinho e ela comia de colher ou na seringa; colocávamos na cama e enrolávamos cobertores nela quando estava frio e ela amanhecia praticamente na mesma posição. Seu olhar de gratidão era comovente e aquele olhar nos dava a certeza de que estávamos junto com ela, na sua luta.
Até que um dia, em um ato de extrema coragem, minha mãe, sozinha (eu e meu irmão estávamos viajando), precisou chamar o veterinário e escutá-lo dizer que a melhor opção para ela seria a eutanásia. Não consigo imaginar decisão pior a ser tomada sozinha, naquelas circunstâncias. Até hoje não me perdôo por não estar junto, da minha mãe e da Pituxa naquele momento. Minha mãe a viu sendo levada e ficou acompanhando ela ir embora com os olhos até o final. Depois, foi pedir colo na casa de uma amiga vizinha, pois não tinha ninguém mais em casa para chorar junto.
Nosso lado racional grita em uma hora dessas, é claro. Ela não tinha mais tratamento, não estava mais conseguindo ficar em pé e nem comer, o veterinário disse que seria questão de tempo, mas o coração não aceita, muito tempo já se passou e até hoje não aceita.
Hoje, naquela casa onde morávamos junto com a Pituxa e Ziggy, moram meu irmão e cunhada. Quando vou lá e vejo aquele canil vazio, me aperta o coração, lembro deles. Lembro da bagunça que faziam quando a gente chegava, dos dois deitados na beira da piscina tomando sol de barriga pra cima, dos buracos nos canteiros, das fugas da Pituxa, dos filhotinhos. Engraçado, parece que sinto até o cheiro deles e olha que se passaram muitos anos!
Espero nunca mais ter que passar pela situação de escolher o momento em que meu amigo vai embora. É uma lembrança que jamais me abandona. As boas lembranças dela, dos momentos em que estivemos juntas são muitas, mas a certeza de que ela foi embora por uma decisão nossa, é forte demais. Sei que foi o melhor para ela, diante do sofrimento, mas não queria ter tido participação nenhuma, só Deus deveria ter escolhido a hora exata.
Acredito que todos eles entraram em minha vida porque eu tinha que viver com eles. Meu coração recebeu uma parte de todos eles e, no meio dos meus defeitos, consegui me tornar uma pessoa melhor ao conviver com eles, fui tocada pela pureza da alma deles. O sentimento que todo cachorro emana, todos mesmo, mesmo aqueles considerados ferozes, é de amor, assim os vejo. Companheirismo, devoção, lealdade, aceitação extrema, fé nas pessoas, é assim que eles são. E, para mim, uma das grandes representantes de tudo isso foi a Pituxa, com seu olhar meigo, foi vencendo seu medo de nós, seus algozes na vida dura que deve ter levado na rua, e soube amar de novo e o fez com muita força, com muita maestria! E nós a amamos com toda força do nosso coração também, seus últimos anos foram de paz, de certeza de ser cuidada, de carinhos, de aconchego.
Minha idéia de chegada a algum lugar para onde irei quando não estiver mais aqui na Terra é a seguinte imagem: eu chegando e todos os cachorrinhos que já tive e terei, lá, me esperando, abanando os rabinhos e pulando em mim, assim que eu chegar. Quero abraçar, beijar, sentir de novo o cheirinho de cada um, ficar junto. Essa é minha ideia de aconchego, de segurança. Se eu puder escolher, é assim que quero. Enquanto esse dia não chega, me divirto e exercito meu amor com aqueles que amo, minha filha, meu marido, minha mãe, meu irmão, minha família, meus amigos de coração e com a Jujuba e a Gigi, minhas lindas filhas de quatro patas que me enchem de alegria e vontade de voltar pra casa!E, no coração, a lembrança forte e eterna daqueles que já foram e que sempre vão me acompanhar em todos os dias da minha vida e, espero, me encontrarão em outro lugar, com os rabinhos abanando.






* A foto da Pituxa é somente ilustrativa. Ela viveu antes da popularização das máquinas digitais. Pituxa também viveu quando não se tinha muita consciência de guarda responsável. O grupo Ação Animal DF recomenda fortemente que sempre se castrem os animais e que nunca os deixem sair livremente sem acompanhamento, pois as ruas são perigosas para um bichinho.

Luciane Moreira mora em Brasília e é a feliz mamãe da Princesa, da Pituxa, do Ziggy, que deixaram muitas saudades, e hoje, é a feliz vovó da Jujuba e Gigi..

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

E Assim, Virei Protetora



Eu e o meu marido tínhamos um Cocker chamado Johnnie, comprado de um criador. Amávamos cachorros, mas sequer tínhamos noção de processos de adoção. Um dia, uma amiga mandou um pedido de ajuda por e-mail para uma cadelinha que estava se tratando de um tumor com ajuda de uma protetora. A partir deste caso, comecei a pesquisar na net coisas sobre animais de rua resgatados e dados em adoção. Nestas buscas cheguei ao abrigo São Francisco de Assis, em Salvador, onde morávamos na época. Olhando as fotografias com o meu marido, chegamos a um pedido de adoção que mexeu com coração e alma de um jeito extremo, inexplicável... era um cãozinho chamado Vitório, o olhar clamava por socorro, ele havia sido atropelado duas vezes, estava com marcas de queimaduras e sarna pelo corpo todo, também não tinha uma das orelhas. Uma lástima! Foi o meu marido quem falou primeiro: este é o nosso cachorro! Entrei em contato com o abrigo e descobri que o Vitório estava em um lar temporário. Fomos até lá para conhecê-lo pessoalmente e assumimos, a partir daí, a ração dele.
Vitório ainda estava precisando de cuidados especiais, por isso era conveniente que ficasse mais um pouco no lar. Até porquê, não sabíamos como o nosso Johnnie receberia o novo irmão e ele ainda estava muito debilitado. O tempo foi passando, nós sempre íamos visitá-lo, até que resolvemos levá-lo pra casa para passar o carnaval e fazer o teste de adaptação com o irmãozinho. Não foi muito tranqüilo. Johnnie estranhou muito, brigaram, precisamos colocar um calmante indicado por uma protetora na água deles. Devolvemos Vitório na quarta-feira de cinzas, com o coração em frangalhos... Voltei chorando o caminho todo! Na tentativa seguinte de adaptação com Johnnie, não consegui mais devolvê-lo e ele ficou de vez em nossa casa. Vitório parecia ser o cão mais especial do mundo! Ele desenvolveu um encantamento pelo meu marido que fugia do normal. 
Infelizmente, Vitório nunca ficou completamente saudável. Ele tinha uma tosse que não conseguimos diagnosticar. Alguns cogitavam que seria uma reação de efeito emocional, pois a tosse só vinha quando ele estava eufórico. Chegamos a fazer exames de coração e nada foi acusado. 
Em julho de 2010, um ano após a adoção de Vitório, viemos morar em Brasilia.
Estavamos acabando de nos instalar e no nosso terceiro dia aqui, ao voltar de um jantar, por volta das 20h, percebemos que a tosse estava muito forte, incessante.
Colocamos Vitório no carro e saímos feito loucos à procura de um veterinário que funcionasse 24 horas. Por não conhecer quase nada aqui, rodamos por cerca de uma hora pelo Guará e nada! Decidimos voltar para casa e procurar na internet. Ele tossindo muito, nós aos prantos, até que achamos uma clinica na Asa Sul que era 24horas. Partimos pra lá mas, no caminho, o coração dele parou de bater na minha mão. Desci do carro desesperada, gritava na porta da clinica como louca, mas infelizmente a morte dele foi constatada pelo veterinário. Passamos meses chorando muito e até hoje, um ano e meio depois, ainda choro muito ao lembrar, olhar fotos...
Vitório abriu meu coração para o amor mais divino que já conheci, o amor mais despretensioso, mais sincero do mundo... Hoje tenho mais um que resgatei das ruas aqui em Brasilia e não tive coragem de dar em adoção, amo meus dois cachorrinhos demais, mas o que o Vitório trouxe para a minha vida é só dele: a certeza de que um animal adotado consegue te agradecer a cada segundo apenas com um olhar! Eles têm a real noção de que foram salvos e isso é lindo, isso foi capaz de transformar a minha vida!

Por meio da adoção do Vitório passei a me envolver de corpo e alma na proteção animal. Acabou virando a razão da minha vida tirar animais das ruas e dar-lhes a chance de ter um lar.



*Não sei se consegui expressar tudo que sinto pelo Vitório pois é muito difícil escrever com os olhos encharcados e o coração sangrando...

Janine Figueiredo é analista de empréstimos no Banco do Brasil e mora em bsb há um ano e meio. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Posso Ficar com Ele?


Marcelinho voltava da escola, quando uma coisica preta e magrelinha passou chispando por entre suas pernas, indo se refugiar numa lixeira suspensa um pouco mais à frente.
Antes que ele pudesse ter certeza se era um gatinho, viu chegar o grande labrador dourado.
- Au! Au! Au! - latia ele, bem bravo.
Se Marcelinho não tivesse pulado para o lado, seria atropelado pelo cachorrão, que passou correndo e parou entre os pés da lixeira, apoiando as patas dianteiras no cesto, tentando morder lá dentro.
- Au! Au! Au! - fazia o cachorrão.
- Miau! Miau! - gritava o gatinho desesperado.
- Pobre bichano! - lamentou-se o menino.
Então, ele viu que o cachorro estava usando coleira e se aproximou cuidadosamente. Pegou a guia e chamou, puxando devagar:
- Vem, garoto, vem!
O cachorrão continuava bem zangado tentando pegar o gatinho, nem deu bola.
Marcelinho puxou um pouco mais forte.
- Vem! - ordenou, com firmeza.
O labrador parou de latir, desceu da lixeira e olhou para ele, ainda muito agitado.
- Isso! Muito bem... - elogiou ele, tentando acalmar o bicho.
Sem dar aviso, o monstrão pulou em cima do garoto, derrubando-o no chão. Deitado de costas, Marcelinho viu aquela boca enorme e cheia de dentes cada vez mais perto do seu nariz.
- Não me morde! Não me morde! - implorou ele.
Se o bichão entendeu ou se a idéia era esta desde o início, Marcelinho não sabe. Só o que ele sabe é que, ao invés de morder, o cachorro começou a lamber a cara dele.
- Não, não! Pára! Eu tenho cócegas! Pááára! - pedia o menino, quase sem respirar, de tanto rir.
- Zeus! Não! - gritou uma mulher.
O cachorro saiu de cima do garoto e correu na direção dela, feliz da vida.
- Senta! Seu feio! - ela brigou com ele. Ele sentou.
Ela, então, virou-se para Marcelinho:
- Você está bem?
- Acho que sim! - disse ele, se levantando.
- Desculpa o Zeus, viu? Eu estava distraída e ele saiu correndo...
- Não... Tudo bem. Normal. - disse o menino, sacudindo a poeira e limpando a cara babada na manga da camisa.
E ela, enquanto se afastava, com o cachorro saltitando ao seu lado:
- Só uma dica, viu? Nunca mais faça isso! Fosse outro, teria te mordido!
Marcelinho já ia explicando porque tinha agido assim, quando se lembrou do gato e correu até a lixeira para ver o bichano.
Encolhidinho e tremendo, lá estava o gatinho, só pele e osso e uns olhões arregalados para o menino, sem saber se ele representava uma ameaça, também.
Marcelinho pegou nele e, cuidadosamente, guardou-o dentro da jaqueta, que era larga o bastante para caber um gato pequenino como aquele.
- Você é um filhotinho, né? - ele conversava com o gatinho, enquanto corria para casa. - Aposto que está com fome!
O bichinho nem respondia, encolhidinho ali, no quentinho.
- Mãe, manhê! - Marcelinho entrou gritando. - Olha o que eu encontrei na rua! Posso ficar com ele?
E começou a contar a história toda, de como tinha salvo o gato da boca de um cão grandão que o tinha derrubado, de como ele tinha sido valente...
Mas dona Belinda nem o deixou terminar:
- Leva já isso embora! Que bicho mais feio e sujo! Deve estar cheio de doenças. - e empurrava o menino de volta para fora da porta.
Marcelinho saiu, inconformado.
- Ah, não! - disse ao seu novo amiguinho. - Depois de tudo o que você passou, não vou te abandonar de novo!
Correu para o fundo do quintal, e escondeu o bichano atrás de um pé de bananeira. Num pote de margarina colocou um pouco de água, fez uma caminha com uma caixa de sapatos, forrou com um pano velho e deitou ali o gatinho. Vendo-se aninhado, o pequenino descansou finalmente do susto por que tinha passado e fechou os olhinhos, exausto.
- Você não vai voltar para a rua, gatinho - sussurrou Marcelinho, olhando enternecido para o bichinho adormecido. - Eu vou cuidar de você. Vou te esconder de todo mundo, e vamos ser amigos. Mais tarde, venho te trazer comida, viu?
Depois do jantar, Marcelinho fez questão de ir dormir. A mãe ficou espantada com essa pressa em ir para o quarto. Era sempre uma dificuldade mandar o filho para a cama.
O que ela não sabia, é que ele só esperava uma oportunidade para sair. Assim que a casa aquietou, o menino levantou-se pé ante pé, pegou uma vasilhinha, encheu de leite e levou para o seu amiguinho.
- Gatinho! Ei, gatinho! - chamou. - O gato, fraquinho, abriu os olhos e, quando sentiu o cheiro do leite, avançou no prato e bebeu, bebeu, bebeu, até a barriguinha crescer, de tão cheia.
- Tava com fome, né? - e lembrou-se que o bichano não tinha nome. Pensou, pensou, viu aquela bolinha de pelos arrepiados, toda pretinha, e disse:
- Fofo! Você é muito fofo! Esse vai ser o seu nome.
Nos dias que se seguiram, a rotina era a mesma: antes de sair para a escola, ele levava o leite do gato Fofo e, assim que voltava, corria para vê-lo e brincar com ele. A mãe não desconfiou de nada, porque o quintal era grande, e o pomar escondia bem o menino e o seu gato.
Mas Marcelinho não sabia que leite de vaca dá dor de barriga em gatinhos filhotes. E o bichinho foi ficando triste e murchinho, o que deixou o menino muito preocupado. Não sabia o que fazer. Finalmente, num ato de coragem, resolveu falar com a mãe:
- Ele está doente, mãe!
- Ele quem, menino?
- O gatinho, mãe...
- Você não vai me dizer que escondeu aquele bicho aqui em casa! Onde ele está? - perguntou dona Belinda, furiosa.
Marcelinho ainda pensou em mentir, mas não ia adiantar. Precisava da mãe para socorrer o Fofo.
- No quintal.
Ela correu, com uma vassoura na mão, disposta a varrer dali o gato sujo. Mas, ao ver o arranjinho que o filho tinha feito, a caminha do gato, e este tão pequenino e indefeso dentro da caixa de sapatos, a raiva, a fúria, o nojo, tudo passou e ela percebeu que este serzinho dependia dela para viver.
Pegou nele, viu que estava muito quente e molinho. Não pensou duas vezes. Correu com ele para a Clínica Miau-Au, logo ali ao lado.
Enquanto aguardavam o atendimento, o menino acariciava o gatinho em seu colo:
- Fica bom logo, viu? - pedia ele, chorando baixinho.
O veterinário apareceu na porta do consultório e os chamou. Doutor Herculano era um senhorzinho grisalho e muito simpático. Gentilmente, pegou Fofo e o colocou sobre a maca, onde fez uma série de exames, ministrou vermífugo e indicou alguns medicamentos, com a orientação de voltarem dali a alguns dias para vacinar. Também sugeriu a castração.
- Castrar, doutor? Nunca! Que maldade! - disse ela, chocada.
Doutor Herculano, pacientemente, explicou a ela que o bichinho castrado está menos sujeito a doenças, fica mais tranquilo, arrisca-se menos, vive mais...
- Mas... Ele nunca vai ter filhotes?
- Não!
- Oh! Pobrezinho! - disse ela.
- Ah! Mas isso é bom! Quando castramos, diminuímos a quantidade de bichos nas ruas e assim, os que já existem têm mais chance de encontrar famílias para cuidar deles.
Dona Belinda olhava o filho, preocupada. Se algo acontecesse ao gatinho, o menino sofreria muito. O médico garantiu que era seguro.
- Bom! Vou decidir isso mais tarde. Agora, o importante é ele ficar bom logo.
O gatinho Fofo ganhou o direito a ficar dentro de casa, e a caminha dele foi colocada no quarto de Marcelinho que, radiante, cuidava dele com desvelo. Era ele quem avisava a mãe sobre o horários da medicação, e ele mesmo o alimentava, desta vez com a ração que o veterinário tinha indicado, própria para filhotes.
Fofo logo ficou bom, com tantos cuidados e mimos, e foi-se tornando um gatinho alegre e brincalhão, que corria e pulava pela casa toda e conquistou de vez dona Belinda, que nem pensou mais em se separar dele. Já fazia parte da família.
Na consulta de retorno, o doutor Herculano voltou a insistir sobre a importância da esterilização.
- Veja, dona Belinda. O Fofo agora é um adolescente, logo vai começar a fugir de casa, para paquerar as gatinhas da vizinhança.
Ele explicou que é nessas ocasiões que os animais se perdem, podem ser atropelados e se machucar nas brigas com outros machos.
- E mais! Tem gente malvada, que não gosta de gatos, joga pedras, chuta...
Marcelinho arregalou os olhos de medo. Já pensou? Onde já se viu, alguém fazer mal ao Fofo!?
Dona Belinda, convencida, concordou com a castração e marcaram a data.
No dia acertado, lá se foram Marcelinho, a mãe e Fofo, para a clínica. O gato ia feliz da vida com o passeio, apesar de estar faminto, por causa do jejum que precisou fazer. Os humanos iam apreensivos, porque, afinal, nunca tinham passado por essa experiência antes.
Na ante-sala, aguardavam que o doutor Herculano operasse o Fofo, atentos a qualquer barulhinho que vinha do centro cirúrgico. Dona Belinda rezava a São Francisco, pedindo que tudo corresse bem. O santo atendeu: não demorou muito, a porta se abriu e um auxiliar lhes entregou o Fofo, meio acordado, meio dormindo. Ele explicou que era por causa da anestesia e avisou:
- O doutor Herculano já vem falar com vocês. - depois, brincando com o Marcelinho, que parecia muito preocupado. - O senhor é o proprietário?
- Eu?? - espantou-se o menino. - Não! Ele não tem proprietário! Eu cuido dele, ele faz parte da família.
Doutor Herculano vinha chegando e ouviu este finalzinho de conversa. Sorrindo, concordou:
- Isso mesmo, Marcelinho. Animais não são mercadorias! São seres vivo! Não são propriedade de ninguém.
- Mas, se eles não têm dono, porque não deixá-los soltos? - perguntou o rapaz, provocativo.
- As ruas são perigosas... Quando nossos antepassados domesticaram os animais, eles se tornaram dependentes das pessoas para sobreviver.
Antes que o auxiliar fizesse mais alguma pergunta boba, doutor Herculano entregou a receita a dona Belinda, explicando direitinho tudo o que precisava ser feito para que o bichinho se recuperasse bem.
E Fofo se recuperou bem, cresceu forte, bonito, saudável, sempre muito bem cuidado pelo Marcelinho que depois de Fofo adotou outros bichinhos de rua, com a ajuda de dona Belinda.
E, sempre que alguém o elogia, dizendo que ele é um dono muito responsável, ele responde:
- Dono, não. Sou só responsável.


Gy Emygdio e Nena Medeiros são protetoras e escreveram este texto de ficção visando orientar as crianças sobre guarda responsável.
O gatinho da imagem é o Félix. Ele está para adoção no site da ProAnima. Veja mais...

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Meu Nome não É Nestor! É Johnny!



Cadê a minha família? Faz tempo que estou aqui esperando o pessoal voltar, mas eles não chegam nunca. Deixaram-me aqui ontem a noite, não sei mais o que fazer. Passei a noite com um pouquinho de medo e dormi debaixo daquele carro. Não estou acostumado a dormir assim, no chão. O carro está um pouco sujo de graxa e acabei esbarrando num pedaço. Sujou meu pelinho branco, que tinha acabado de ser lavado e penteado.
Mas é movimentado aqui, gente! Tanta gente passando, tanto carro correndo naquela rua...
Que horas serão? Estou ficando com fome.
Mais cedo um pouquinho passou uma mulher por aqui e me perguntou o que eu, um cachorrinho tão limpinho e com uma coleirinha vermelha estava fazendo na Avenida Paulista, com uma mancha de graxa nas costas. Ela me perguntou se estava sozinho ou estava com alguém. Eu não soube o que responder pois imagino que não esteja sozinho, mas também não estou mais aguentando esperar a minha família vir me buscar.
Vou tentar perguntar para as pessoas que estão passando como é que faço para ir para casa:
Hei, moço, moço?? Você sabe para que lado fica a minha casa?? Espera aí, volta!! Será que vou ter que correr atrás de você? Ah! Quer brincar, né? Vou correr junto com você!
- Passa cachorro! Não vem atrás de mim, não!
Nossa, moço! Pensei que queria brincar! Não precisa me chutar, não!! Que susto!
Estou com medo, medo, medo. E com fome e sede... Onde é que estou? Como vim parar aqui?
Olha lá, lá vem a mulher que me tratou bem, de volta. Será que ela também vai me chutar? Ai que medo! Olha, ela tá xingando o homem que me chutou. E está vindo para perto de mim! Acho que ela vai me xingar. Vou correr para o meio daquela rua, ela não vai me alcançar...
- Vem aqui! Não pode ir para lá, não!
Ih! Ela tá brava. É melhor eu obedecer. Vou ficar aqui abaixadinho. Vamos ver se ela passa direto e não implica mais comigo.
- Você está é perdido, não é? Vamos descobrir isso agora. Senhor, esse cachorrinho é seu?
- Não, não é.
- O senhor o viu com alguém?
- Não senhora, ele está aqui há um tempo. Deve estar perdido.
- Não vou desistir, meu amigo. Vamos procurar seu dono.
Olha, gente, ela está perguntando para todo mundo que passa, para os porteiros dos prédios, até para uns policiais ela está perguntando.
E ainda tirou o cinto do casaco e prendeu na minha coleira. O que será que ela vai fazer comigo?

- Meu amigo, parece que você está mesmo perdido. Mas eu não vou conseguir te deixar aqui. Vamos dar umas voltas por aí, para ver se encontramos a sua casa. Pode ir andando em direção à sua casa. Vamos lá. Eu levo você.
Nossa, não sei para onde ir. Vou ficar aqui paradinho, até ela perceber que eu não sei.
- Bom, já que você não sabe, vamos andando, perguntando
Boa, garota! Você é bem esperta! Vamos lá! Ih! meu rabinho tá balançando... Acho que agora eu relaxei um pouco.
Já andamos, a minha amiga já me deu água, já parou em consultórios veterinários para perguntar se alguém me conhece, mas eu não conheço essa gente. Eu estou é cansado...
- Você está cansado, amigão? Então, já que ninguém te conhece, e eu já estou cansada de procurar pelas pessoas que provavelmente te abandonaram, vamos para a minha casa para descansar, comer e descobrir um jeito de te acomodar. Na rua é que você não fica! Você tem cara de cachorro que não sabe se virar sozinho. Vamos, vamos! Lá em casa eu tenho 2 cachorros também. Não vou te deixar brincar com eles antes de passar você pelo médico e descobrir se você tá doente, se tem verminhos, carrapatos... Depois disso eu deixo. Vamos lá.
Como? Casa com cachorros, médico, injeção, banho e tosa? Ai, estou com mais medo. O que faço para me livrar disso? Já sei! Vou “emburrar”. Não vou mais comer nem beber água, ficar num canto encolhido para ela ver que não estou gostando nada disso.
- Ai, meu Deus! Você está triste? Não liga para os meus filhotes, eles latem para você, mas é porque querem vir aqui te conhecer. Olha, tem comidinha, aguinha, caminha... Fica aqui na varanda, que é bem grande, tem lugar para fazer xixi, correr, brincar, tudo o que você quiser. Fica aqui para eu poder tomar algumas providências. Vou ligar para uma tia minha que mora em uma casa, gosta de cachorros e acabou de perder o seu Amarelo. Vamos ver se ela pode ficar com você até eu encontrar um lugar definitivo. Quem sabe ela não se apaixona por você e não resolve ficar contigo para sempre? Vamos tentar?
Olha moça, você não está vendo que o que eu quero é voltar para casa? Não dá para você encontrar a minha família? Já estou entrando em desespero!
- Eu sei que você está com saudade de casa. Olha só como gosta de carinho! Estou vendo que é um cachorro de família. Mas como é que vou encontrar a sua casa? Você não está usando identificação, te encontrei num lugar muito movimentado, já perguntei em vários prédios se te conhecem e nada... Vou encontrar um lugar para você ficar e prometo que procuro a sua casa, tá bom? Vê se me ajuda, não fica com essa cara, não...
Tá bom (suspiro!). Eu vou tentar... Estou vendo que você não quer me fazer mal. Enquanto isso, coça a minha barriguinha?
- Oi, tia, tudo bom? Olha, estou precisando muito da sua ajuda. Encontrei um cachorrinho muito fofo aqui na Avenida Paulista, muito assustado e resolvi acolhê-lo para tentar encontrar a casa dele. Será que você pode ficar com ele por uns dias na sua casa? Aqui ele não pode ficar por causa dos outros cachorrinhos. Eles são filhotes e não posso deixar um cachorro que não sei se é saudável perto deles. Vou levá-lo ao veterinário para uma avaliação, dar outro banho, cortar os pêlos. Mas ele tem que ficar em observação por uns dias antes de colocá-lo junto com os meus cães. E não posso mantê-lo preso na varanda, que é grande, mas é descoberta. Se chover ele vai se molhar. Por favor, me ajude. Fiquei sabendo que o seu cachorrinho, o Amarelo, morreu há pouco tempo e imagino que ainda tenha a casinha dele aí. Juro que não vou te dar despesa. Levo ele para aí e volto para divulgar que o encontrei. Por favor, por favor, por favor!! (...) Tá bom. Obrigada. Vou levá-lo ao Veterinário naquela loja grande da Marginal, vou dar banho e tosar. Compro ração e comedouros e passo aí para deixá-lo. Obrigada, obrigada, obrigada!! Até mais tarde.
- Nossa, viu? Minha tia é superbacana! Você vai gostar dela. É muito legal, lá. Vamos para o Pet, ver como anda essa saúde.
Vamos, né? Fazer o quê? Pelo menos essa coleira que me colocou é mais bonita que a minha, que estava bem velhinha...


- Bem, doutora, encontrei esse menino bonito na Avenida Paulista hoje pela manhã e preciso fazer alguma coisa por ele. Vou levá-lo para a casa de minha tia, mas tenho que ter certeza que ele está saudável. Não posso deixá-lo lá se tiver algo de errado com ele. Já demos banho e tosamos. Ele é bem bonzinho, deixou dar banho, tosar, escovar os dentes, tudo sem reclamar!
Você é que pensa! Tô morrendo de raiva daquele tosador! Só não mordi porque estou muito cansado/assustado/com medo. Mas se encontrar com ele de novo, ele vai ver como dói uma mordida!
- Então, sem reclamar é modo de dizer, né? Ele está assustado, mas nota-se que é um bom rapaz.
- Vamos ver esse moço, aqui... Vamos fazer um hemograma, um exame clínico. Pelos seus dentes, ele deve ter uns 2 aninhos... Não está castrado, tem bons reflexos... É bonzinho demais! Gosta de afago... Ei, você tirou a sorte grande, hein? Rapaz iluminado! Uma centena de cachorrinhos dessa cidade não consegue o que você conseguiu hoje: ser resgatado e encaminhado... Qual o seu nome, para eu colocar no pedido do exame?
É Johnny, Johnny, ouviu doutora?
- Vamos chamá-lo de Nestor, Doutora...
Nestor??? Credo!!! Tá me achando com cara de Nestor?
- Calma, Nestor! Não precisa se agitar. É só para identificar o exame de sangue. Depois a gente muda o seu nome...
Obrigado, doutora! “Nestor”! Essa mulher é maluca!

- Bem, ele está bastante saudável. Não tem indicação de nenhuma doença, mas deve ficar em observação. Vamos dar um vermífugo e vaciná-lo. Ele já pode ir para a casa da tia.
- Obrigada, doutora. Hoje foi um dia muito cheio para ele. Acho que vai descansar bastante.
Foi mesmo! Esse banho me deixou com muito sono!!


E foi assim que o Johnny chegou aqui em casa.
Minha sobrinha o trouxe para ficar apenas alguns dias, e ele acabou me encantando. Não só a mim, mas a toda família.
Depois de 3 dias, já pedi para deixá-lo aqui comigo. Claro que nenhum outro cachorrinho irá substituir o Amarelo. A saudade dele é grande. Mas o meu Johnny veio para me consolar, e faz isso como ninguém.
Ele não deve ter gostado do nome que ela deu para ele, Nestor. Resolvi chamá-lo de Johnny, e parece que ficou mais satisfeito. Chamo “Johnny!”, e ele vem todo feliz.
É um cãozinho muito asseado, não faz nenhuma sujeira dentro de casa. Desde as primeiras horas conosco, pede para sair. É muito simpático, me faz companhia cuida da casa como ninguém! Adora latir no portão, para quem passa ou para outros cachorros.
E só gosta de comer ração Super-Premium. As outras ele não come, de jeito nenhum . Sinal de que foi acostumado com este tipo de alimentação.
Como sempre adotei cachorrinhos da rua, achei isso interessante. Os cachorros da rua demoram a se habituar com a alimentação baseada em ração. O Johnny não. Já chegou devorando a raçãozinha.
Não faço idéia de como foi que esse doce de cãozinho foi parar na rua. Não é possível que o tenham abandonado. Ele é muito carinhoso, adora dormir no meu quarto, sabe se comportar na sala.
Talvez tenha fugido de casa, ou sido roubado.
Não importa. A verdade é que ele agora está comigo e nunca mais vai se sentir inseguro como quando foi encontrado, nunca mais vai passar fome, frio ou sede, e saberá, para sempre, que é muito amado.
- Não é verdade, Johnny?

- É verdade! Eu sou muito amado, e retribuo isso à minha mãezinha, todos os dias

Terezinha é dona de casa em São Paulo, e já adotou vários cãezinhos de rua, todos adultos, que chegaram à sua casa pelas mais diversas formas. A todos, ela deu um lar de verdade.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Minha Alma por um Tapete


Que dia é hoje? Ah... Terça. Bobagem, minha... Não faz a menor diferença. Nem sei por que pergunto. Costume, talvez. Necessidade de conexão com o mundo, com o tempo.
Que tolo, eu sou. Tão raro ter alguém disposto a me ouvir e eu perdendo tempo com perguntas inúteis sobre o tempo. Mas é que é tão difícil receber visitas que quero falar sobre tudo. Inclusive sobre o tempo que se arrasta, lodoso e triste aqui neste lugar que divido com tantos outros, igualmente largados. Todos degredados, solitários, carentes de um afago, uma palavra amiga, um sorriso que seja. Temos os cuidadores, claro. Eles se esforçam para nos atender em nossas necessidades mais básicas. Mas não são suficientes para alimentar nossas almas com o carinho e a atenção que precisamos.
Sabe, filho? Hoje em dia, ninguém se interessa pelos velhos. Ainda mais um velho meio cego, fracos das pernas, que se não usar fraldas vai fazer sujeira no tapete.
É, eu sei... Não teve muita graça. Desculpa. Meu senso de humor anda pior que a minha artrose, desde que fui abandonado aqui, por aqueles que eu pensava que me amavam. Minha família...
Bonita palavra, não é? “Família”. Mas a gente só dá valor quando perde, sabe? Eu pensava que família era pra sempre, pensava que nunca aconteceria de não terem mais tempo para mim, pensava que jamais achariam que eu dou trabalho demais, que o melhor seria me descartarem. Mas, foi justamente o que aconteceu.
Oh! Não! Não os culpe... Apesar de tudo, eu ainda os amo. E, acredite, eles foram uns grandes ingratos, sim, todos eles. Mas eu também tive culpa e não há um só dia que eu não pense nisso. Acho mesmo que você vai duvidar do que vou dizer agora: o que me trouxe até aqui foi justamente essa questão, da sujeira no tapete. Verdade! Eu juro!
Ah! Pare de rir. É muito triste isso e... Ah, não! Você entendeu errado. Não fui eu quem fez sujeira no tapete. Foi o Bruce.
Eu... Eu ainda não havia lhe falado sobre ele?? Puxa! Que cabeça a minha! O Bruce era um anjo. É! Eu sabia que você não ia acreditar... Mas é verdade. O Bruce foi um anjo colocado no meu caminho para me ensinar o que é o amor e eu, muito ocupado em ganhar dinheiro, nunca lhe dei importância. Quando ele chegou, ainda filhote, eu aturava suas brincadeiras irritantes com expresso mau humor. Quantas vezes, pensei em despachá-lo, doá-lo a alguém que o levasse para bem longe? Só não o fiz porque meus filhos e a esposa gostavam muito dele.
Quando ele ficou adulto, nossa convivência tornou-se um pouco mais tranqüila. Isto é, tirando a adoração que ele tinha por mim. Eu o enxotava, fechava-o no quintal, prendia-o no canil, mas ele não podia me ver que saltava nas minhas pernas, deitava de barriga para cima. Ah! Você também é desses que gosta disso? Eu não! Odiava! Vê lá se eu tinha tempo para dar atenção a um cachorro babão?
Mas, a gota d’água foi mesmo como eu disse, um tapete. Bruce foi ficando velho, meio cego, fraco das pernas e começou a fazer sujeira nos tapetes. Enquanto ele sujava apenas os tapetes do corredor, fui agüentando, em respeito à família. Mas, quando ele resolveu sujar o caríssimo tapete persa que eu tinha na sala, ah, meu amigo! O sangue me subiu. No mesmo dia, liguei para um veterinário, botei o cachorro numa caixa e toquei para lá. A eutanásia me custaria R$ 220,00 reais. Muito menos do que o pedaço do tapete que ele sujou, eu calculei.
Claro que o tapete não estava perdido! Nem precisou ir à lavanderia... Um pouco de desinfetante e estava como novo, mas... Você faz idéia de como é a cabeça de um sujeito que está conduzindo seu companheiro de mais de treze anos de convivência à morte e só consegue pensar no valor que irá gastar? Pois é... Eu era assim.
Chegando lá, uma senhora interessou-se pelo Bruce. Começou a puxar assunto e, quando soube que eu iria sacrificá-lo, pediu-me para ficar com ele. Deixei, na mesma hora. Nem mesmo um sujeito frio como eu era iria preferir tirar a vida de alguém a deixá-lo continuar vivo. Desde que bem longe de mim e dos meus tapetes, claro. Ainda dei a ela o valor que gastaria na eutanásia, para ajudar a sustentá-lo por uns dias. Depois, ela que se virasse. Afinal, a decisão foi dela, não foi?
Não, não! Minha família não me jogou neste asilo de castigo por isso. Claro que não. Quando eu digo que eu vim parar aqui por causa do Bruce e do tapete, é porque quando eles perceberam a falta do cachorro logo entenderam o que eu havia feito. E, acredite, ninguém perguntou nada, ninguém me criticou. Eles entenderam muito bem o meu recado. E eu fiquei tão aliviado em não ser cobrado por isso, que nem me dei conta da mensagem que passei: velhos são descartáveis. Bruce nos serviu muito bem enquanto jovem e cheio de energia, mas, quando começou a dar mais trabalho do que alegrias, era hora de nos livrarmos dele.
Pois é, meu amigo... A lição foi bem aprendida e então, como acontece com todos, eu também fiquei velho.
Não, não são lágrimas... eu tenho essa irritação nos olhos, coisa da idade, sabe?
Oh! Está bem! A quem eu quero enganar? São lágrimas, sim! Choro todo dia quando lembro do Bruce, do meu egoísmo, da mnha burrice em não perceber que os filhos seguem os nossos exemplos e é muito mais com eles do que com as nossas palavras que eles aprend...
Ei! Veja! São eles! Ajude-me aqui, filho! Ajude-me a levantar, por favor! Me dê o andador, aquele ali! Isso, isso!
Sim!! São eles! Os voluntários da pet terapia! Venha! Venha! Vamos lá para fora!
Ah! Você não conhece? Eles trazem cães ao asilo para interagirem conosco.
Como não entende minha empolgação?? Depois de tudo o que lhe contei?
Ah, meu amigo, não se ofenda. Bom demais ter seu ouvido atento por alguns instantes.
Mas, hoje, disparado, a coisa que me dá mais prazer nesta vida, é acariciar o pelo macio de um cão.

****
Embora nossos depoimentos, por mais romanceados que sejam, costumem tratar de fatos reais, neste aqui abusamos um pouco da ficção.
A verdadeira história é que Bruce foi mesmo deixado aos cuidados da Gy por um senhor bem apessoado que demonstrava aversão ao conteúdo peludo da caixa que carregava nos braços. Desconfiada do comportamento dele, ao saber que ele pretendia sacrificar o animal, ela “livrou-o” dessa culpa e “resgatou” o cãozinho. O homem transferiu para a conta dela o valor exato da eutanásia, nem um centavo a mais. A razão para que ele tomasse essa atitude foi mesmo um tapete sujo. E, sim, também é verdade que, quando ele ligou para a Gy para pegar dados para o depósito, três dias depois, disse que ninguém na casa havia ainda dado falta do cachorro.
Bruce vive bem hoje na chácara da Gy. É um lindo maltês, de mais de treze anos. É cego, mas anda por todo lado com muita alegria, balança o rabo, adora um colo e está à espera de alguém que entenda que idade não precisa ser sentença de morte.

 Nena Medeiros, a autora, é escritora e protetora de animais.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Minha Vida com os Felinos



Sempre adorei animais, especialmente cães e após duas experiências com adoráveis amigos do mundo canino, ocorridas há bastante tempo atrás, em fevereiro de 2009 resolvi adotar uma amiguinha felina.
Carente de tudo, Flor (assim a chamei) foi encontrada na lata de lixo juntamente com seus 4 irmãozinhos. Frágil, porém guerreira sobreviveu com somente um dos irmãozinhos a uma rinotraqueite.
Com apenas poucos gramas e muito pequenina este adorável serzinho foi parar na minha casa.
Ambas sofremos com a adaptação. Ela com o tradicional fungo e eu com quatro crises recorrentes de sinusite. Devidamente tratadas, fomos nos conhecendo e fortalecendo nossos laços de respeito, amizade e amor.
Antes rabugenta e um pouco arredia, chegando a me fazer pensar que não daríamos certo, Flor foi cedendo às minhas investidas e ficando cada vez mais amorosa. Recebia-me com longos miados e muito ronronar todas as vezes que eu chegava a casa.
Fui descobrindo através dela o fantástico mundo dos felinos.
Extremamente limpa, silenciosa, curiosa e possessiva foi me conquistando dia após dia com suas brincadeirinhas e ‘conversinhas’ e seu cuidado em me deixar feliz.
Muito saudável, disposta e brincalhona, definitivamente foi capaz de preencher meus dias e me fazer esquecer de qualquer tristeza.
Tudo ia muito bem até que um belo dia percebi que ela não estava tão normal. Algumas mudanças de comportamento mostravam perda da agilidade e da sua tradicional curiosidade o que me causou estranheza. Nada alarmante, pensei, uma vez que ela continuava se alimentando e bebendo água com a freqüência normal e parecia forte e saudável. Um novo hábito também apareceu: o de dormir dentro da pia do banheiro o que achei curioso.
Como já íamos ao pet para a vacinação, comentaria com a veterinária sobre minhas observações que não deviam ser nada sérias. Foi aí que veio a infeliz surpresa: febre alta, anemia profunda e a suspeita de Mycoplasma Felino. Mas como?! Pensei. Minha mocinha era tratada como rainha! Royal Canin desde bebê, água filtrada trocada diariamente, escovações 2 vezes ao dia, banho 1 vez por mês e todos os cuidados e atenção com sua saúde e higiene que um animalzinho doméstico requer. Impossível Flor ter sido vítima de uma picada de parasita!
O ultrasom mostrou uma leve alteração no rim, já o exame de sangue comprovou o caos. O sistema imunológico da minha amiguinha estava no fundo do poço, as mucosas um papel e ela, sempre guerreira, lutava para manter-se de pé.
Entendi que esta doença pode ter vindo de sua época de abandono ou até ter sido transmitida por sua mãe e que já vinha abatendo-a sorrateiramente há um bom tempo.
Entramos com os medicamentos injetáveis e orais e uma breve e feliz melhora. Super carinhosa me surpreendeu com seus chamegos quando a febre e a dor foram temporariamente aliviadas.
Continuamos com o ciclo de medicamentos orais e os vômitos e a apatia tomaram conta da minha bichinha.
Veio a internação e com ela uma excelente recuperação. Esperança!
Flor me recebeu miando e ronronando quando fui visitá-la. Mesmo no soro, aninhou-se e ronronou em meu colo e demonstrava desagrado toda vez que a veterinária se aproximava.
Foi quando pedi a ela que agüentasse firme, que fosse a guerreira de sempre. Poxa, se ela já tinha sobrevivido antes quando não tinha nada senão o desprezo humano, que resistisse novamente pois agora ela fazia a diferença na vida de alguém. E eu estava esperando por ela daquele jeito de sempre toda serelepe e ronronante na nossa casinha.
No dia seguinte a piora e a necessidade de uma transfusão de sangue.
A veterinária fez o impossível mas infelizmente minha amiguinha partiu.
Tudo tão rápido, tão inesperado...
É entre lágrimas que escrevo estas linhas, uma pequena homenagem a essa minha companheirinha tão querida e especial. Uma criaturinha que encheu minha vida de alegria e fez a diferença nos meus dias mais difíceis.



Após a partida da minha querida Flor e o sofrimento que causou, juntei todos os seus pertences me prometi que nunca mais teria bicho algum. Convenci-me de que não dispunha de espaço, de tempo e principalmente de estrutura para suportar outra perda.
Mal sabia eu que o destino me uniria com outra criaturinha de quatro patas.
Um mês após perder a Flor, numa noite que estava particularmente triste devido à sua ausência, acordei ao ouvir miados altos e o alvoroço de pessoas. Olhei da janela e vi aquela bolinha preta, meio desengonçada, saindo de debaixo do meu carro e correndo pra longe da confusão dos meus vizinhos, que tentavam resgatá-la e já faziam até planos sobre ela. Fiquei indicando a sua direção, pois do alto conseguia ver exatamente para onde ia e percebendo que as pessoas estavam realmente empenhadas em encontrá-la, voltei a dormir pedindo a Deus que cuidasse daquela criaturinha.
Eram 2h30 da manhã quando voltei a ouvir os miados que agora estavam mais altos e sofridos. Num salto voltei à janela e lá estava a ‘bola preta’, novamente saindo de debaixo do meu carro.
Vesti-me rapidamente, peguei uma toalha e esquentei um pouco de frango no microondas pois havia feito aquele juramento de não ter mais bichos e a esta altura eu não tinha absolutamente mais nada para gatos.
Se resgatar um gato já é difícil, resgatar um gato preto à noite parece impossível. Pior, a ‘bolinha preta’ não mostrava o menor interesse pela comida e parecia apavorada com a minha presença.
Comecei a ficar preocupada por estar sozinha, de madrugada, numa rua deserta e pedi proteção e ajuda. Foi quando a criaturinha saiu correndo do esconderijo e se encurralou. Foi a minha chance! Enfrentei aquele olhar ameaçador que só os gatos tem... Sem falar que ela sibilou, bufou, deu patada e tentou me afastar de tudo quanto é jeito. Finalmente peguei-a e enrolei-a na tolha. Fazia muito frio e a pequenina, com o coração disparado, quase desmaiou quando se viu toda enrolada na tolha quentinha e recebendo carinho. Ficou toda molinha, coitadinha.
Passei o resto da madrugada conferindo se ela estava bem. Ela, escondida, não permitia ser tocada e sibilava ao menor sinal de aproximação.
De manhã cedo estávamos na veterinária e Drª Luciana Soares, novamente, tratou-a com todo carinho e atenção. Vendo minha indecisão, ela nos cedeu o "enxoval" básico até que eu decidisse se ficaria ou não com ela.
E eu querendo me convencer de que não a adotaria... Tadinha de mim!
Ela já tinha me adotado. Era minha e eu não sabia.
Perguntando para os vizinhos sobre ela e verificando se tinha dono, descobri que saiu do carro de um cliente da oficina vizinha. Veio da 704 até a 710 norte dentro do motor e quando o mecânico tentou pega-la, sibilou, fugiu e sumiu. Teve sorte de não sofrer nenhuma queimadura ou qualquer outro trauma enquanto esteve dentro do carro ou vagando perdida pela quadra.
Batizei-a de Luna por tê-la encontrado sob a luz da lua e pela cor da sua pelagem que tem nuances de cinza.
Pois bem, Dona Luna passou meses escondida em locais diferentes da kit só saindo para se alimentar ou usar a caixinha de areia. Insistente, eu a pegava sempre que chegava, antes de sair de casa e de tempos em tempos, mesmo sob seus protestos e reclamações. Um belo dia tive a feliz surpresa de tê-la me esperando na porta e morri de alegria: enfim viramos amigas!
Completamente diferente da Flor que era sociável ao extremo, Luna é tímida, quieta, medrosa e desconfiada. Ela é extremamente doce, sensível, delicada, cuidadosa e muito na dela. Uma verdadeira lady! É nítido o cuidado que ela tem comigo e como respeita meu espaço.
Hoje não consigo mais me ver sem a adorável companhia de um gato e agradeço por ela ter aparecido chorando embaixo da minha janela naquela fria madrugada de maio.
Mente quem diz que gatos são frios, insensíveis e desagradáveis. Independentes sim, mas seres adoráveis! Amigos, companheiros, amáveis e dotados de uma grande sensibilidade e personalidade, são animais que
merecem nosso carinho e respeito.

À minha Florzinha do coração, que descanse em paz.. Minha companheirinha felina, o meu muito obrigada pelo seu carinho e seu amor incondicional. Você fez com que eu me sentisse sempre muito especial e espero ter retribuído a altura todo o bem que você me fez. Que Deus a receba de braços abertos e a mantenha em um lugarzinho de muita paz, tranquilidade e muito aconchego que é o mínimo que você merece.

À Drª Luciana Soares, o meu eterno carinho e agradecimento pela atenção, o empenho e o suporte. Que o estudo da minha Florzinha ajude a salvar outras vidinhas atingidas por esta doença tão silenciosa e cruel.

E, claro, à pequena Luna, uma amiga muito especial e muitíssimo amada!




Cristiane Gomes é promotora de eventos em Brasília.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Anjo da Capela


O cãozinho Tom morou, por cerca de dois anos, no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília, onde tinha sempre a mesma rotina: conhecendo os horários dos velórios, nas horas marcadas ele adentrava os portões do campo santo e dirigia-se às capelas. Escolhia cuidadosamente um velório - não se sabe bem com qual critério - e esperava que saísse o cortejo. Acompanhava, a uma distância respeitosa, o grupo até o sítio em que seria enterrado o de cujus, e mantinha-se atento a todo o ritual, que conhecia muito bem. Na hora da descida do corpo à terra, ele dava um latido triste, e aguardava que os acompanhantes do morto fizessem o caminho de volta, sempre atrás deles.
Imediatamente, escolhia outro velório, e repetia exatamente os mesmos passos. E assim passava os seus dias.
Ele só não cumpria a obrigação quando desconfiava que era vigiado. Havia sempre alguém interessado em ajudá-lo. Várias pessoas se prontificaram a resgatá-lo daquele lugar, mas ninguém teve sucesso, porque o Tom era sempre mais esperto e conseguia esconder-se. Nesse dia, ninguém o via no Cemitério.
Dormia em vários locais, tinha uma estratégia de fuga planejada. Comia o que lhe davam os ambulantes, de quem era bem conhecido. Mas nunca se aproximou de ninguém, a ponto de deixar-se tocar ou prender.
Os coveiros contam que o seu dono foi enterrado ali, e Tom estava presente. Quando a família foi embora, ele não quis entrar no carro. Não houve meio de o dissuadir a deixar o local onde tinha visto o seu dono pela última vez. Supõe-se que, a cada enterro que acompanhava, esperava que o dono reaparecesse e, quando isto não acontecia, voltava acabrunhado para dar início a outra busca. Daí o vai-vem dele entre as capelas e os locais dos túmulos. De falta de persistência não pode ser acusado. Nem de fidelidade.
Mas nem tudo eram flores para ele. Os guardas do cemitério tinham ordens da Administração para afugentá-lo, e o faziam com brutalidade, chegando a jogar bombinhas em sua direção. Podia-se perceber que ele odiava os homens de farda, passava bem longe deles, nas suas andanças.
O Tom tornou-se famoso entre os frequentadores do Cemitério, e algumas reportagens foram feitas sobre a sua odisseia. Foi apelidado de “O Anjo da Capela”.
Ao tomar conhecimento desta história, eu fui, com a minha irmã e duas amigas, tentar um contato com ele. Passamos uma tarde no Cemitério, mas Tom deve ter desconfiado e não apareceu.
Meses mais tarde, fui procurada pela protetora Graça Perdigão com a intenção de resgatarmos o Tom. Ela já tinha conseguido com o seu veterinário uns comprimidos que deixariam o animal mais relaxado, e lá fomos, munidas com pedacinhos de fígado, que lhe atirávamos, com o remédio.
Acompanhamos pacientemente, vários enterros, sempre a uma distância prudente, para que o Tom não se apercebesse da nossa presença. Mas ele finalmente percebeu, e fugiu. Saiu em disparada do Cemitério e a preocupação maior foi que ele ficasse tonto em meio ao trânsito caótico daquele final de Asa Sul.
A Graça, eu e o meu auxiliar percorremos toda aquela região, à sua procura, em vão. Eu fui embora, mas a Graça ficou por ali, distribuindo cartões com o seu telefone, e prometendo recompensa a quem desse notícias dele.
Ainda não tinha chegado à casa, quando a Graça me liga, dizendo que o Tom estava deitado numa das capelas, tremendo e aparentemente com a pressão baixa, resultado do tal remédio. Nesse momento, ela já estava com um amigo, o Franco, que a ajudou a pegar o animal, e trouxeram-no para minha casa.
Animal bonito, de pelagem branca, comprida, mas muito embolada. Muito resistente à nossa aproximação, a intenção dele era, claramente, fugir daqui, para voltar à sua rotina habitual. Com muito cuidado, paciência e carinho, fomos mudando os padrões de comportamento dele, fazendo-o sentir que havia uma outra vida para além daquela que ele tinha vivido nos últimos dois anos.
Levou algumas semanas para ele relaxar e aprender a confiar em nós. O Tom foi o caso mais difícil que eu vivi, para conseguir que interagisse conosco.
Hoje, entretanto, ele me segue como se fosse a minha sombra. Onde eu estou, lá está ele, olhando para mim. Se saio, ele fica na frente da chácara, à minha espera, não importando por quanto tempo. Acho até que, se eu não voltasse mais para casa, ele nunca mais sairia daquele local, à minha espera.
Afinal, a característica marcante dele não foi sempre a fidelidade ao seu guardião?



Gy é protetora e cuida, com desvelo de mãe, de mais de oitenta cães e uma égua, vítimas de maus tratos e abandono.