quinta-feira, 28 de abril de 2011

NOSSA VIDA COM BRIGITE E CHICO


Ana Luísa Lamounier Costa

Os Animais de minha vida
"Eu costumo dizer que venho de uma família de cachorreiros. O meu avô, quando isso ainda era esquisitice, tinha o estranho hábito de resgatar animais de rua. Ora era um gatinho, ora um cachorro, até mesmo uma macaquinha abandonada; ou melhor, duas. Não tardou, os filhos aprenderam a gostar de bichos e eu, como boa neta, continuei a tradição familiar. O primeiro cachorrinho meu irmão e eu ganhamos criancinhas, na década de 80. O Falcon era nobre, um Golden Retrivier com pedigree e tudo, mas isso não o salvou da leishmaniose, que já era abundante no Piauí. Eu digo por experiência: tirar o cãozinho de uma criança é crueldade sem igual; que os pais não façam isso.
Durante um período no exterior, minha mãe salvou um esquilo caído da árvore que amamentou com um conta-gotas. O Dico virou um esquilão e fugiu pelo mundo sem mandar notícias. Nós, crianças, entendemos que ele tinha encontrado a Dica e tido muitos Diquinhos, de forma que a tristeza não foi grande.
De volta ao Brasil, foi a vez da Gal (Costa). Filha do Fox Paulistinha do nosso tio, a “tatoinha”, como meu novo irmão chamava, tornou-se a alegria da casa. O Gil, sendo da mesma raça, foi o caminho natural. Mas ele, que tinha sequelas da cinomose e era um pouquinho bobo, perdeu-se numa escapada de casa. As lágrimas não foram poucas e assim foi que o Toquinho veio ser o novo marido da Gal. Meses depois, qual foi a nossa surpresa quando um Fox Paulistinha mirrado atravessou na frente do nosso carro! Eu chamei: Gil, Gil, Gil! E ele veio correndo, com cheiro de chorume e muita saudade para matar. A Gal não se chateou. Virou Dona Flor, feliz da vida.

Brigite
Há dez anos foi a minha vez de sair de casa. Vim morar com a vovó, viúva do vovô cachorreiro, mas que jurava não aceitar mais bichinhos com ela. Eu aguentei firme e não infringi norma alguma, aceitei a vida descachorrada e fui levando sem me queixar. Mas o tio percebeu a tristeza de uma vida sem cachorro e meu deu a Brigite, uma autêntica SRD pretinha, magrela e cheia de vermes, que deveria ficar morando na chácara. Deveria, né?
O tempo passou. Eu me casei, mudei e a danada veio junto. Desde sempre era eu quem passeava, dava banho, escovava os dentes, cuidava com todo o xodó. Como boa cachorrinha, não tardou a roubar o coração do Manu, que lhe colocou toda a sorte de apelidos, de Titita a Trambolho. Nós éramos uma família feliz!
Só que não tinha mais vovó para fazer companhia na minha ausência, de modo que passei a me preocupar com sua solidão. Mesmo gostando dela, o Manu tinha receio de que quatro fossem demais. Fui segurando a vontade, não sem inveja das minhas primas cachorreiras - filhas daquele tio que arrumou a Brigite - e que tinham quatro cãezinhos em casa. “Mas é uma casa”, eu pensava... E tentava me consolar.

Encontrando o Chico
Eu não sei bem quando nem como o Manu se convenceu. Só sei que uma noite nós ficamos até de madrugada namorando os bichinhos da ProAnima e decidimos que um tinha que ser nosso. Eram tantos e todos tão carentes que não sabíamos qual. Nossa preferência era por um macho, para evitar brigas com a Brigite, e de porte médio, pois gostamos de cães maiores. Eu, cá comigo, queria o mais sofrido de todos, mas o Manu tinha um pouco de receio de que ele não se adaptasse. Foi o Manu quem quis o Chico. Vendo o tamanho da pata na fotografia eu pensava: “é muito grande”. Mas fiquei caladinha, pois sabia que ele precisava de alguém. Queria ver no que daria. Agendamos a visita.
Ele estava hospedado em uma chácara em Planaltina com mais 80 colegas e para lá nós fomos em um sábado à tarde. O Chico nos recebeu muito mal! Fechava os olhinhos e virava o rosto como se dissesse: “faço questão de nem te ver”. Pudera. Imagino que para ele seres humanos não fossem lá muito queridos. Quando foi salvo, o Chico estava com duas imensas feridas no dorso e na perna, sendo constantemente enxotado de todos os lugares devido ao mau-cheiro e a aparência asquerosa. A. e S. não ficaram indiferentes. Com coragem de heroínas, as duas sozinhas o resgataram. Ele foi medicado e rapidamente recobrou a saúde. Eu soube mais tarde, contudo, que a depressão tardava a ir embora. Voltamos no dia seguinte e ele já esboçou alegria ao nos ver chegar com um pacote de biscoitos. No final de semana seguinte ele veio fazer uma experiência na nossa casa. Daqui não saiu.

Nossa vida com Chico e Brigite
Faz quase dois meses que o Chico chegou à nossa casa. Nos primeiros dias, era desconfiado e se encolhia todo quando tentávamos acariciá-lo. Respeitamos. Na terceira manhã, quando saí do quarto, ele sorriu para mim. (Ah, para quem não sabe, o Chico sorri: quando se emociona, ele arreganha os beicinhos de cima num sorriso tosco e sincero). Não saiu mais do meu lado, fica sempre deitado onde estou, companheiro como é. A Brigite, coitada, morria de ciúmes. Aprendi com o Dr. Pet que precisava redobrar o carinho dela e assim fiz. Ela ainda tem um pouco, mas os dois já brincam juntos e em uma ocasião ela dormiu toda fofa deitada na barriga dele. Ele, por sua vez, está aprendendo a fazer carinho. Lambe e mordisca minhas mãos de tal forma que eu entendo o que ele diz: agradece. Faz graça, vira a barriguinha para cima para receber carinho e pula mais alto que eu quando muito feliz. Educadíssimo, parece mais um lorde que um plebeu. Não entra onde não é chamado e não faz as necessidades em casa. “Quem ensinou?”, eu fico a me perguntar.
O Chico é enorme, adulto, não tem raça, já foi doente e deprimido. Acredito que muita gente hesitaria em adotá-lo, sem saber a alegria que perde. E como perde: quando no fim do dia, desgastada pelo trabalho e a canseira da vida, eu abro a porta de casa, eu me renovo quando vejo os dois correrem, ávidos para me receber. Caminhamos ao redor da quadra, com calma para eles farejarem tudo, pois o mundo de cachorro é de cheiro. Ao voltar, sou outra. Ainda tem mais um festa um pouco mais tarde, quando o Manu volta. E assim é minha vida hoje: gargalhadas a toda hora, lambidas gratuitas, amor incondicional e a certeza de ter feito o que não poderia deixar de fazer.



Ana Luísa Lamounier Costa é médica, casada com Emanuel Silva de Sousa, servidor público. Eles não têm filhos