quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quando eu morrer, quero ir para o céu dos cachorros!



Desde que me entendo por gente, sempre convivi com cachorros.
Já tive duas Princesas, Samanta, Zigy, Pituxa, Faruk e, sou a feliz mamãe (ou vovó) da Jujuba e da Gigi.
Hoje, em meio à saudade de todos que já foram, minha homenagem vai para uma linda mocinha, a Pituxa.
Tínhamos acabado de perder a Princesa para um tumor no útero. Eu estava arrasada, sentindo muito a falta dela, daquela coisinha preta, de pêlo liso e brilhante e pernas curtinhas que adoravam pular para pedir carinho. A doença dela foi repentina, nem lembro como aconteceu, só sei que entre cirurgia e a ida dela, foi tudo muito rápido e doloroso.
Enfim, ficamos sem ela e o vazio estava muito grande...
Então, um dia, percebemos a presença dela, daquela que seria a futura Pituxa, ao longe, discreta. Suja, muito magra e machucada.
Só a víamos muito de longe e começamos a observá-la. Ela tinha verdadeiro pavor do ser humano, provavelmente, herança do tratamento que recebia pelas ruas e bastava que a gente olhasse em sua direção, que ela já corria, com o rabo entre as pernas e gritando, como se tivesse levado uma pedrada. Era triste vê-la naquelas condições e não conseguir, sequer, uma aproximação.
Assim, passaram-se semanas. Ela ia e vinha pelos arredores lá de casa, como se estivesse também nos observando e sempre de longe.
Resolvemos colocar comida na porta de casa e minha mãe caprichava no cardápio, com muita carne, bem cheiroso, na tentativa de atraí-la. E ela resistia! Deixávamos na porta de casa por vários dias e a comida amanhecia do mesmo jeito. Insistimos bastante, até que, um dia, ela, provavelmente vencida pela fome, superou seu imenso medo de nós, seres humanos, e comeu! Comemoramos, olhando para ela de longe.
Ficamos nesse namoro por um bom tempo. Ela vinha comer de vez em quando, bebia a água que colocávamos e foi se aproximando. Muito devagar ela estava aceitando nossa sutil aproximação também e conseguimos ficar por perto um dia enquanto ela comia. Mais umas semanas e conseguimos chegar perto do prato com ela lá, comendo! Ela nos olhava com muito medo, rabinho baixo, mas estava comendo e isso era o suficiente para nós, naquele momento, que ela se alimentasse. Muito tempo depois, não lembro quem foi, conseguiu encostar a mão nela! Uma vitória, diante de toda a resistência.
Depois disso, nosso namoro foi avançando e da mão sutilmente encostada, fizemos um afago, um carinho mais demorado, uma tentativa de abraço. Deixamos uma grande caixa de papelão na varanda da casa e esperamos o dia em que ela resolvesse entrar. Ela entrou e de lá não mais saiu. Finalmente, demos banho, limpamos as orelhinhas, ela estava imunda, tratamos os machucados e ela começou a engordar a olhos vistos. Foi batizada: PITUXA e bem rápido reconheceu seu nome, muito esperta ela era! Ela era loura, de porte médio, olhos escuros e ar de rainha, altiva, serena, uma lady.
Como a casa ainda não tinha muro, não tínhamos como mantê-la dentro e ela dava umas escapadas, afinal, estava acostumada a não ter barreiras na rua. Em uma dessas vezes, ela cruzou e preparamos tudo para a chegada dos filhotinhos, que vieram em uma madrugada de chuva torrencial em que chegamos em casa tarde da noite e a procuramos por todos os lados e nada. Cadê a Pituxa, debaixo dessa chuva e com aquela barriga? Até que a encontramos. Ela, que já devia ter sido mãe em outras ocasiões e, por certo, na rua, havia cavado um buraco enorme na piscina que estava sendo construída, uma espécie de túnel e estava deitada lá no fundo, já em trabalho de parto e no meio da lama. Não tínhamos a menor experiência com partos e ela estava mal acomodada, suja de lama e o “ninho” que tinha providenciado rapidamente ia ficar cheio de água, o que poderia afogar os filhotinhos. Ela preparou aquele “ninho” bem rápido, apesar da barriga enorme, e debaixo da chuva, em um intervalo em que saímos de casa, desconsiderando a “maternidade” que tínhamos preparado para ela. É... A vida para essa mocinha não deve ter sido fácil, ela teve que se virar em muitas situações!
Foi um esforço enorme tirá-la daquele buraco, muita chuva e muita lama, ela muito pesada e nós, morrendo de medo de machucá-la. Em momento algum ela perdeu o jeitinho doce e meigo, mesmo sentido as dores do parto e sendo retirada do ninho perigoso que cavou.
Nasceram os bebês. Ela fez tudo sozinha, foram 11 filhotes. Ficou ao lado deles todo o tempo, sem reclamar quando íamos pegá-los, sem reclamar de absolutamente de nada, mesmo quando aquela galerinha toda cresceu e ficava mamando nela com aquele monte de dentinhos! É claro que nossa decisão peremptória era não ficar com mais nenhum cachorro, afinal, tínhamos sofrido tanto com a Princesinha. Mas, aí conhecemos o Ziggy, o maior e mais gordinho dos bebês e de olhos azuis! Atrapalhado, caía dentro do prato de leite, comia rápido para comer a comida dos irmãos, uma doçura. Fomos vencidos e ficamos com ele. O Ziggy era realmente uma figuraça e merece uma homenagem só dele, diante de tantas situações hilárias que protagonizou.
Mas a Pituxa continuava lá, linda! Nunca conheci uma cachorrinha mais meiga. Brincava de forma comedida, sem nos derrubar como fazia seu filho; jamais entrava em casa, mesmo quando deixávamos a porta aberta; foi uma mãe exemplar, em todas as três gestações que teve conosco, sempre com mais de dez filhotinhos; aguentava sem reclamar quando seu filho, o Ziggy, continuava engolindo a comida bem rápido e ia comer a comida do prato dela. Tinha umas manias muito doidas, é verdade, acho que era caçadora, já caçou tatu, pássaros e adorava cavar um buraco, principalmente nos canteiros de flor da minha mãe ou no canteiro de alface, tomate, morango... Minha mãe adorava!
E o tempo foi passando. Não sabíamos a idade que tinha, mas sempre foi ativa e alegre. Até que em determinada época, começou a definhar lentamente. O pêlo foi perdendo o viço, o apetite foi mudando, as brincadeiras, rareando... Não sabíamos o que fazer. O veterinário receitou vitaminas, fez exames e nada de conclusivo. Mudamos a alimentação e o quadro não melhorava. Tinham épocas em que ela ficava melhor, noutras, decaía... Seu pêlo caiu, seus olhos ficaram branquinhos, mas ela continuava enxergando. Hoje, se fala muito em leishmaniose e acho, pelos sintomas que me recordo, que ela devia ter isso, mas nunca foi diagnosticado.
Ela ficou mal. Quase não se levantava mais para comer, estava fraca. Procuro pensar que fizemos tudo que estava ao nosso alcance para ajudá-la, não sabíamos de sua vida anterior, se tinha alguma doença crônica, não sabíamos de nada, só que a vimos suja e magra e quisemos muito ajudá-la e trazê-la para perto de nós, para “debaixo de nossa asa”. Às vezes me pego pensando que poderíamos ter feito mais, em termos médicos, sei lá. Tenho certeza que em termos de amor e cuidados, ela recebeu tudo e muito mais. Quando ela não conseguia mais se levantar para comer, dávamos comida na boca. Minha mãe preparava mingau bem molinho e ela comia de colher ou na seringa; colocávamos na cama e enrolávamos cobertores nela quando estava frio e ela amanhecia praticamente na mesma posição. Seu olhar de gratidão era comovente e aquele olhar nos dava a certeza de que estávamos junto com ela, na sua luta.
Até que um dia, em um ato de extrema coragem, minha mãe, sozinha (eu e meu irmão estávamos viajando), precisou chamar o veterinário e escutá-lo dizer que a melhor opção para ela seria a eutanásia. Não consigo imaginar decisão pior a ser tomada sozinha, naquelas circunstâncias. Até hoje não me perdôo por não estar junto, da minha mãe e da Pituxa naquele momento. Minha mãe a viu sendo levada e ficou acompanhando ela ir embora com os olhos até o final. Depois, foi pedir colo na casa de uma amiga vizinha, pois não tinha ninguém mais em casa para chorar junto.
Nosso lado racional grita em uma hora dessas, é claro. Ela não tinha mais tratamento, não estava mais conseguindo ficar em pé e nem comer, o veterinário disse que seria questão de tempo, mas o coração não aceita, muito tempo já se passou e até hoje não aceita.
Hoje, naquela casa onde morávamos junto com a Pituxa e Ziggy, moram meu irmão e cunhada. Quando vou lá e vejo aquele canil vazio, me aperta o coração, lembro deles. Lembro da bagunça que faziam quando a gente chegava, dos dois deitados na beira da piscina tomando sol de barriga pra cima, dos buracos nos canteiros, das fugas da Pituxa, dos filhotinhos. Engraçado, parece que sinto até o cheiro deles e olha que se passaram muitos anos!
Espero nunca mais ter que passar pela situação de escolher o momento em que meu amigo vai embora. É uma lembrança que jamais me abandona. As boas lembranças dela, dos momentos em que estivemos juntas são muitas, mas a certeza de que ela foi embora por uma decisão nossa, é forte demais. Sei que foi o melhor para ela, diante do sofrimento, mas não queria ter tido participação nenhuma, só Deus deveria ter escolhido a hora exata.
Acredito que todos eles entraram em minha vida porque eu tinha que viver com eles. Meu coração recebeu uma parte de todos eles e, no meio dos meus defeitos, consegui me tornar uma pessoa melhor ao conviver com eles, fui tocada pela pureza da alma deles. O sentimento que todo cachorro emana, todos mesmo, mesmo aqueles considerados ferozes, é de amor, assim os vejo. Companheirismo, devoção, lealdade, aceitação extrema, fé nas pessoas, é assim que eles são. E, para mim, uma das grandes representantes de tudo isso foi a Pituxa, com seu olhar meigo, foi vencendo seu medo de nós, seus algozes na vida dura que deve ter levado na rua, e soube amar de novo e o fez com muita força, com muita maestria! E nós a amamos com toda força do nosso coração também, seus últimos anos foram de paz, de certeza de ser cuidada, de carinhos, de aconchego.
Minha idéia de chegada a algum lugar para onde irei quando não estiver mais aqui na Terra é a seguinte imagem: eu chegando e todos os cachorrinhos que já tive e terei, lá, me esperando, abanando os rabinhos e pulando em mim, assim que eu chegar. Quero abraçar, beijar, sentir de novo o cheirinho de cada um, ficar junto. Essa é minha ideia de aconchego, de segurança. Se eu puder escolher, é assim que quero. Enquanto esse dia não chega, me divirto e exercito meu amor com aqueles que amo, minha filha, meu marido, minha mãe, meu irmão, minha família, meus amigos de coração e com a Jujuba e a Gigi, minhas lindas filhas de quatro patas que me enchem de alegria e vontade de voltar pra casa!E, no coração, a lembrança forte e eterna daqueles que já foram e que sempre vão me acompanhar em todos os dias da minha vida e, espero, me encontrarão em outro lugar, com os rabinhos abanando.






* A foto da Pituxa é somente ilustrativa. Ela viveu antes da popularização das máquinas digitais. Pituxa também viveu quando não se tinha muita consciência de guarda responsável. O grupo Ação Animal DF recomenda fortemente que sempre se castrem os animais e que nunca os deixem sair livremente sem acompanhamento, pois as ruas são perigosas para um bichinho.

Luciane Moreira mora em Brasília e é a feliz mamãe da Princesa, da Pituxa, do Ziggy, que deixaram muitas saudades, e hoje, é a feliz vovó da Jujuba e Gigi..

Um comentário:

  1. Meninas, recentemente passei por essa situação. Não consigo comentar mais.
    Beijos

    ResponderExcluir