quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Meu Nome não É Nestor! É Johnny!



Cadê a minha família? Faz tempo que estou aqui esperando o pessoal voltar, mas eles não chegam nunca. Deixaram-me aqui ontem a noite, não sei mais o que fazer. Passei a noite com um pouquinho de medo e dormi debaixo daquele carro. Não estou acostumado a dormir assim, no chão. O carro está um pouco sujo de graxa e acabei esbarrando num pedaço. Sujou meu pelinho branco, que tinha acabado de ser lavado e penteado.
Mas é movimentado aqui, gente! Tanta gente passando, tanto carro correndo naquela rua...
Que horas serão? Estou ficando com fome.
Mais cedo um pouquinho passou uma mulher por aqui e me perguntou o que eu, um cachorrinho tão limpinho e com uma coleirinha vermelha estava fazendo na Avenida Paulista, com uma mancha de graxa nas costas. Ela me perguntou se estava sozinho ou estava com alguém. Eu não soube o que responder pois imagino que não esteja sozinho, mas também não estou mais aguentando esperar a minha família vir me buscar.
Vou tentar perguntar para as pessoas que estão passando como é que faço para ir para casa:
Hei, moço, moço?? Você sabe para que lado fica a minha casa?? Espera aí, volta!! Será que vou ter que correr atrás de você? Ah! Quer brincar, né? Vou correr junto com você!
- Passa cachorro! Não vem atrás de mim, não!
Nossa, moço! Pensei que queria brincar! Não precisa me chutar, não!! Que susto!
Estou com medo, medo, medo. E com fome e sede... Onde é que estou? Como vim parar aqui?
Olha lá, lá vem a mulher que me tratou bem, de volta. Será que ela também vai me chutar? Ai que medo! Olha, ela tá xingando o homem que me chutou. E está vindo para perto de mim! Acho que ela vai me xingar. Vou correr para o meio daquela rua, ela não vai me alcançar...
- Vem aqui! Não pode ir para lá, não!
Ih! Ela tá brava. É melhor eu obedecer. Vou ficar aqui abaixadinho. Vamos ver se ela passa direto e não implica mais comigo.
- Você está é perdido, não é? Vamos descobrir isso agora. Senhor, esse cachorrinho é seu?
- Não, não é.
- O senhor o viu com alguém?
- Não senhora, ele está aqui há um tempo. Deve estar perdido.
- Não vou desistir, meu amigo. Vamos procurar seu dono.
Olha, gente, ela está perguntando para todo mundo que passa, para os porteiros dos prédios, até para uns policiais ela está perguntando.
E ainda tirou o cinto do casaco e prendeu na minha coleira. O que será que ela vai fazer comigo?

- Meu amigo, parece que você está mesmo perdido. Mas eu não vou conseguir te deixar aqui. Vamos dar umas voltas por aí, para ver se encontramos a sua casa. Pode ir andando em direção à sua casa. Vamos lá. Eu levo você.
Nossa, não sei para onde ir. Vou ficar aqui paradinho, até ela perceber que eu não sei.
- Bom, já que você não sabe, vamos andando, perguntando
Boa, garota! Você é bem esperta! Vamos lá! Ih! meu rabinho tá balançando... Acho que agora eu relaxei um pouco.
Já andamos, a minha amiga já me deu água, já parou em consultórios veterinários para perguntar se alguém me conhece, mas eu não conheço essa gente. Eu estou é cansado...
- Você está cansado, amigão? Então, já que ninguém te conhece, e eu já estou cansada de procurar pelas pessoas que provavelmente te abandonaram, vamos para a minha casa para descansar, comer e descobrir um jeito de te acomodar. Na rua é que você não fica! Você tem cara de cachorro que não sabe se virar sozinho. Vamos, vamos! Lá em casa eu tenho 2 cachorros também. Não vou te deixar brincar com eles antes de passar você pelo médico e descobrir se você tá doente, se tem verminhos, carrapatos... Depois disso eu deixo. Vamos lá.
Como? Casa com cachorros, médico, injeção, banho e tosa? Ai, estou com mais medo. O que faço para me livrar disso? Já sei! Vou “emburrar”. Não vou mais comer nem beber água, ficar num canto encolhido para ela ver que não estou gostando nada disso.
- Ai, meu Deus! Você está triste? Não liga para os meus filhotes, eles latem para você, mas é porque querem vir aqui te conhecer. Olha, tem comidinha, aguinha, caminha... Fica aqui na varanda, que é bem grande, tem lugar para fazer xixi, correr, brincar, tudo o que você quiser. Fica aqui para eu poder tomar algumas providências. Vou ligar para uma tia minha que mora em uma casa, gosta de cachorros e acabou de perder o seu Amarelo. Vamos ver se ela pode ficar com você até eu encontrar um lugar definitivo. Quem sabe ela não se apaixona por você e não resolve ficar contigo para sempre? Vamos tentar?
Olha moça, você não está vendo que o que eu quero é voltar para casa? Não dá para você encontrar a minha família? Já estou entrando em desespero!
- Eu sei que você está com saudade de casa. Olha só como gosta de carinho! Estou vendo que é um cachorro de família. Mas como é que vou encontrar a sua casa? Você não está usando identificação, te encontrei num lugar muito movimentado, já perguntei em vários prédios se te conhecem e nada... Vou encontrar um lugar para você ficar e prometo que procuro a sua casa, tá bom? Vê se me ajuda, não fica com essa cara, não...
Tá bom (suspiro!). Eu vou tentar... Estou vendo que você não quer me fazer mal. Enquanto isso, coça a minha barriguinha?
- Oi, tia, tudo bom? Olha, estou precisando muito da sua ajuda. Encontrei um cachorrinho muito fofo aqui na Avenida Paulista, muito assustado e resolvi acolhê-lo para tentar encontrar a casa dele. Será que você pode ficar com ele por uns dias na sua casa? Aqui ele não pode ficar por causa dos outros cachorrinhos. Eles são filhotes e não posso deixar um cachorro que não sei se é saudável perto deles. Vou levá-lo ao veterinário para uma avaliação, dar outro banho, cortar os pêlos. Mas ele tem que ficar em observação por uns dias antes de colocá-lo junto com os meus cães. E não posso mantê-lo preso na varanda, que é grande, mas é descoberta. Se chover ele vai se molhar. Por favor, me ajude. Fiquei sabendo que o seu cachorrinho, o Amarelo, morreu há pouco tempo e imagino que ainda tenha a casinha dele aí. Juro que não vou te dar despesa. Levo ele para aí e volto para divulgar que o encontrei. Por favor, por favor, por favor!! (...) Tá bom. Obrigada. Vou levá-lo ao Veterinário naquela loja grande da Marginal, vou dar banho e tosar. Compro ração e comedouros e passo aí para deixá-lo. Obrigada, obrigada, obrigada!! Até mais tarde.
- Nossa, viu? Minha tia é superbacana! Você vai gostar dela. É muito legal, lá. Vamos para o Pet, ver como anda essa saúde.
Vamos, né? Fazer o quê? Pelo menos essa coleira que me colocou é mais bonita que a minha, que estava bem velhinha...


- Bem, doutora, encontrei esse menino bonito na Avenida Paulista hoje pela manhã e preciso fazer alguma coisa por ele. Vou levá-lo para a casa de minha tia, mas tenho que ter certeza que ele está saudável. Não posso deixá-lo lá se tiver algo de errado com ele. Já demos banho e tosamos. Ele é bem bonzinho, deixou dar banho, tosar, escovar os dentes, tudo sem reclamar!
Você é que pensa! Tô morrendo de raiva daquele tosador! Só não mordi porque estou muito cansado/assustado/com medo. Mas se encontrar com ele de novo, ele vai ver como dói uma mordida!
- Então, sem reclamar é modo de dizer, né? Ele está assustado, mas nota-se que é um bom rapaz.
- Vamos ver esse moço, aqui... Vamos fazer um hemograma, um exame clínico. Pelos seus dentes, ele deve ter uns 2 aninhos... Não está castrado, tem bons reflexos... É bonzinho demais! Gosta de afago... Ei, você tirou a sorte grande, hein? Rapaz iluminado! Uma centena de cachorrinhos dessa cidade não consegue o que você conseguiu hoje: ser resgatado e encaminhado... Qual o seu nome, para eu colocar no pedido do exame?
É Johnny, Johnny, ouviu doutora?
- Vamos chamá-lo de Nestor, Doutora...
Nestor??? Credo!!! Tá me achando com cara de Nestor?
- Calma, Nestor! Não precisa se agitar. É só para identificar o exame de sangue. Depois a gente muda o seu nome...
Obrigado, doutora! “Nestor”! Essa mulher é maluca!

- Bem, ele está bastante saudável. Não tem indicação de nenhuma doença, mas deve ficar em observação. Vamos dar um vermífugo e vaciná-lo. Ele já pode ir para a casa da tia.
- Obrigada, doutora. Hoje foi um dia muito cheio para ele. Acho que vai descansar bastante.
Foi mesmo! Esse banho me deixou com muito sono!!


E foi assim que o Johnny chegou aqui em casa.
Minha sobrinha o trouxe para ficar apenas alguns dias, e ele acabou me encantando. Não só a mim, mas a toda família.
Depois de 3 dias, já pedi para deixá-lo aqui comigo. Claro que nenhum outro cachorrinho irá substituir o Amarelo. A saudade dele é grande. Mas o meu Johnny veio para me consolar, e faz isso como ninguém.
Ele não deve ter gostado do nome que ela deu para ele, Nestor. Resolvi chamá-lo de Johnny, e parece que ficou mais satisfeito. Chamo “Johnny!”, e ele vem todo feliz.
É um cãozinho muito asseado, não faz nenhuma sujeira dentro de casa. Desde as primeiras horas conosco, pede para sair. É muito simpático, me faz companhia cuida da casa como ninguém! Adora latir no portão, para quem passa ou para outros cachorros.
E só gosta de comer ração Super-Premium. As outras ele não come, de jeito nenhum . Sinal de que foi acostumado com este tipo de alimentação.
Como sempre adotei cachorrinhos da rua, achei isso interessante. Os cachorros da rua demoram a se habituar com a alimentação baseada em ração. O Johnny não. Já chegou devorando a raçãozinha.
Não faço idéia de como foi que esse doce de cãozinho foi parar na rua. Não é possível que o tenham abandonado. Ele é muito carinhoso, adora dormir no meu quarto, sabe se comportar na sala.
Talvez tenha fugido de casa, ou sido roubado.
Não importa. A verdade é que ele agora está comigo e nunca mais vai se sentir inseguro como quando foi encontrado, nunca mais vai passar fome, frio ou sede, e saberá, para sempre, que é muito amado.
- Não é verdade, Johnny?

- É verdade! Eu sou muito amado, e retribuo isso à minha mãezinha, todos os dias

Terezinha é dona de casa em São Paulo, e já adotou vários cãezinhos de rua, todos adultos, que chegaram à sua casa pelas mais diversas formas. A todos, ela deu um lar de verdade.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Minha Alma por um Tapete


Que dia é hoje? Ah... Terça. Bobagem, minha... Não faz a menor diferença. Nem sei por que pergunto. Costume, talvez. Necessidade de conexão com o mundo, com o tempo.
Que tolo, eu sou. Tão raro ter alguém disposto a me ouvir e eu perdendo tempo com perguntas inúteis sobre o tempo. Mas é que é tão difícil receber visitas que quero falar sobre tudo. Inclusive sobre o tempo que se arrasta, lodoso e triste aqui neste lugar que divido com tantos outros, igualmente largados. Todos degredados, solitários, carentes de um afago, uma palavra amiga, um sorriso que seja. Temos os cuidadores, claro. Eles se esforçam para nos atender em nossas necessidades mais básicas. Mas não são suficientes para alimentar nossas almas com o carinho e a atenção que precisamos.
Sabe, filho? Hoje em dia, ninguém se interessa pelos velhos. Ainda mais um velho meio cego, fracos das pernas, que se não usar fraldas vai fazer sujeira no tapete.
É, eu sei... Não teve muita graça. Desculpa. Meu senso de humor anda pior que a minha artrose, desde que fui abandonado aqui, por aqueles que eu pensava que me amavam. Minha família...
Bonita palavra, não é? “Família”. Mas a gente só dá valor quando perde, sabe? Eu pensava que família era pra sempre, pensava que nunca aconteceria de não terem mais tempo para mim, pensava que jamais achariam que eu dou trabalho demais, que o melhor seria me descartarem. Mas, foi justamente o que aconteceu.
Oh! Não! Não os culpe... Apesar de tudo, eu ainda os amo. E, acredite, eles foram uns grandes ingratos, sim, todos eles. Mas eu também tive culpa e não há um só dia que eu não pense nisso. Acho mesmo que você vai duvidar do que vou dizer agora: o que me trouxe até aqui foi justamente essa questão, da sujeira no tapete. Verdade! Eu juro!
Ah! Pare de rir. É muito triste isso e... Ah, não! Você entendeu errado. Não fui eu quem fez sujeira no tapete. Foi o Bruce.
Eu... Eu ainda não havia lhe falado sobre ele?? Puxa! Que cabeça a minha! O Bruce era um anjo. É! Eu sabia que você não ia acreditar... Mas é verdade. O Bruce foi um anjo colocado no meu caminho para me ensinar o que é o amor e eu, muito ocupado em ganhar dinheiro, nunca lhe dei importância. Quando ele chegou, ainda filhote, eu aturava suas brincadeiras irritantes com expresso mau humor. Quantas vezes, pensei em despachá-lo, doá-lo a alguém que o levasse para bem longe? Só não o fiz porque meus filhos e a esposa gostavam muito dele.
Quando ele ficou adulto, nossa convivência tornou-se um pouco mais tranqüila. Isto é, tirando a adoração que ele tinha por mim. Eu o enxotava, fechava-o no quintal, prendia-o no canil, mas ele não podia me ver que saltava nas minhas pernas, deitava de barriga para cima. Ah! Você também é desses que gosta disso? Eu não! Odiava! Vê lá se eu tinha tempo para dar atenção a um cachorro babão?
Mas, a gota d’água foi mesmo como eu disse, um tapete. Bruce foi ficando velho, meio cego, fraco das pernas e começou a fazer sujeira nos tapetes. Enquanto ele sujava apenas os tapetes do corredor, fui agüentando, em respeito à família. Mas, quando ele resolveu sujar o caríssimo tapete persa que eu tinha na sala, ah, meu amigo! O sangue me subiu. No mesmo dia, liguei para um veterinário, botei o cachorro numa caixa e toquei para lá. A eutanásia me custaria R$ 220,00 reais. Muito menos do que o pedaço do tapete que ele sujou, eu calculei.
Claro que o tapete não estava perdido! Nem precisou ir à lavanderia... Um pouco de desinfetante e estava como novo, mas... Você faz idéia de como é a cabeça de um sujeito que está conduzindo seu companheiro de mais de treze anos de convivência à morte e só consegue pensar no valor que irá gastar? Pois é... Eu era assim.
Chegando lá, uma senhora interessou-se pelo Bruce. Começou a puxar assunto e, quando soube que eu iria sacrificá-lo, pediu-me para ficar com ele. Deixei, na mesma hora. Nem mesmo um sujeito frio como eu era iria preferir tirar a vida de alguém a deixá-lo continuar vivo. Desde que bem longe de mim e dos meus tapetes, claro. Ainda dei a ela o valor que gastaria na eutanásia, para ajudar a sustentá-lo por uns dias. Depois, ela que se virasse. Afinal, a decisão foi dela, não foi?
Não, não! Minha família não me jogou neste asilo de castigo por isso. Claro que não. Quando eu digo que eu vim parar aqui por causa do Bruce e do tapete, é porque quando eles perceberam a falta do cachorro logo entenderam o que eu havia feito. E, acredite, ninguém perguntou nada, ninguém me criticou. Eles entenderam muito bem o meu recado. E eu fiquei tão aliviado em não ser cobrado por isso, que nem me dei conta da mensagem que passei: velhos são descartáveis. Bruce nos serviu muito bem enquanto jovem e cheio de energia, mas, quando começou a dar mais trabalho do que alegrias, era hora de nos livrarmos dele.
Pois é, meu amigo... A lição foi bem aprendida e então, como acontece com todos, eu também fiquei velho.
Não, não são lágrimas... eu tenho essa irritação nos olhos, coisa da idade, sabe?
Oh! Está bem! A quem eu quero enganar? São lágrimas, sim! Choro todo dia quando lembro do Bruce, do meu egoísmo, da mnha burrice em não perceber que os filhos seguem os nossos exemplos e é muito mais com eles do que com as nossas palavras que eles aprend...
Ei! Veja! São eles! Ajude-me aqui, filho! Ajude-me a levantar, por favor! Me dê o andador, aquele ali! Isso, isso!
Sim!! São eles! Os voluntários da pet terapia! Venha! Venha! Vamos lá para fora!
Ah! Você não conhece? Eles trazem cães ao asilo para interagirem conosco.
Como não entende minha empolgação?? Depois de tudo o que lhe contei?
Ah, meu amigo, não se ofenda. Bom demais ter seu ouvido atento por alguns instantes.
Mas, hoje, disparado, a coisa que me dá mais prazer nesta vida, é acariciar o pelo macio de um cão.

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Embora nossos depoimentos, por mais romanceados que sejam, costumem tratar de fatos reais, neste aqui abusamos um pouco da ficção.
A verdadeira história é que Bruce foi mesmo deixado aos cuidados da Gy por um senhor bem apessoado que demonstrava aversão ao conteúdo peludo da caixa que carregava nos braços. Desconfiada do comportamento dele, ao saber que ele pretendia sacrificar o animal, ela “livrou-o” dessa culpa e “resgatou” o cãozinho. O homem transferiu para a conta dela o valor exato da eutanásia, nem um centavo a mais. A razão para que ele tomasse essa atitude foi mesmo um tapete sujo. E, sim, também é verdade que, quando ele ligou para a Gy para pegar dados para o depósito, três dias depois, disse que ninguém na casa havia ainda dado falta do cachorro.
Bruce vive bem hoje na chácara da Gy. É um lindo maltês, de mais de treze anos. É cego, mas anda por todo lado com muita alegria, balança o rabo, adora um colo e está à espera de alguém que entenda que idade não precisa ser sentença de morte.

 Nena Medeiros, a autora, é escritora e protetora de animais.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Minha Vida com os Felinos



Sempre adorei animais, especialmente cães e após duas experiências com adoráveis amigos do mundo canino, ocorridas há bastante tempo atrás, em fevereiro de 2009 resolvi adotar uma amiguinha felina.
Carente de tudo, Flor (assim a chamei) foi encontrada na lata de lixo juntamente com seus 4 irmãozinhos. Frágil, porém guerreira sobreviveu com somente um dos irmãozinhos a uma rinotraqueite.
Com apenas poucos gramas e muito pequenina este adorável serzinho foi parar na minha casa.
Ambas sofremos com a adaptação. Ela com o tradicional fungo e eu com quatro crises recorrentes de sinusite. Devidamente tratadas, fomos nos conhecendo e fortalecendo nossos laços de respeito, amizade e amor.
Antes rabugenta e um pouco arredia, chegando a me fazer pensar que não daríamos certo, Flor foi cedendo às minhas investidas e ficando cada vez mais amorosa. Recebia-me com longos miados e muito ronronar todas as vezes que eu chegava a casa.
Fui descobrindo através dela o fantástico mundo dos felinos.
Extremamente limpa, silenciosa, curiosa e possessiva foi me conquistando dia após dia com suas brincadeirinhas e ‘conversinhas’ e seu cuidado em me deixar feliz.
Muito saudável, disposta e brincalhona, definitivamente foi capaz de preencher meus dias e me fazer esquecer de qualquer tristeza.
Tudo ia muito bem até que um belo dia percebi que ela não estava tão normal. Algumas mudanças de comportamento mostravam perda da agilidade e da sua tradicional curiosidade o que me causou estranheza. Nada alarmante, pensei, uma vez que ela continuava se alimentando e bebendo água com a freqüência normal e parecia forte e saudável. Um novo hábito também apareceu: o de dormir dentro da pia do banheiro o que achei curioso.
Como já íamos ao pet para a vacinação, comentaria com a veterinária sobre minhas observações que não deviam ser nada sérias. Foi aí que veio a infeliz surpresa: febre alta, anemia profunda e a suspeita de Mycoplasma Felino. Mas como?! Pensei. Minha mocinha era tratada como rainha! Royal Canin desde bebê, água filtrada trocada diariamente, escovações 2 vezes ao dia, banho 1 vez por mês e todos os cuidados e atenção com sua saúde e higiene que um animalzinho doméstico requer. Impossível Flor ter sido vítima de uma picada de parasita!
O ultrasom mostrou uma leve alteração no rim, já o exame de sangue comprovou o caos. O sistema imunológico da minha amiguinha estava no fundo do poço, as mucosas um papel e ela, sempre guerreira, lutava para manter-se de pé.
Entendi que esta doença pode ter vindo de sua época de abandono ou até ter sido transmitida por sua mãe e que já vinha abatendo-a sorrateiramente há um bom tempo.
Entramos com os medicamentos injetáveis e orais e uma breve e feliz melhora. Super carinhosa me surpreendeu com seus chamegos quando a febre e a dor foram temporariamente aliviadas.
Continuamos com o ciclo de medicamentos orais e os vômitos e a apatia tomaram conta da minha bichinha.
Veio a internação e com ela uma excelente recuperação. Esperança!
Flor me recebeu miando e ronronando quando fui visitá-la. Mesmo no soro, aninhou-se e ronronou em meu colo e demonstrava desagrado toda vez que a veterinária se aproximava.
Foi quando pedi a ela que agüentasse firme, que fosse a guerreira de sempre. Poxa, se ela já tinha sobrevivido antes quando não tinha nada senão o desprezo humano, que resistisse novamente pois agora ela fazia a diferença na vida de alguém. E eu estava esperando por ela daquele jeito de sempre toda serelepe e ronronante na nossa casinha.
No dia seguinte a piora e a necessidade de uma transfusão de sangue.
A veterinária fez o impossível mas infelizmente minha amiguinha partiu.
Tudo tão rápido, tão inesperado...
É entre lágrimas que escrevo estas linhas, uma pequena homenagem a essa minha companheirinha tão querida e especial. Uma criaturinha que encheu minha vida de alegria e fez a diferença nos meus dias mais difíceis.



Após a partida da minha querida Flor e o sofrimento que causou, juntei todos os seus pertences me prometi que nunca mais teria bicho algum. Convenci-me de que não dispunha de espaço, de tempo e principalmente de estrutura para suportar outra perda.
Mal sabia eu que o destino me uniria com outra criaturinha de quatro patas.
Um mês após perder a Flor, numa noite que estava particularmente triste devido à sua ausência, acordei ao ouvir miados altos e o alvoroço de pessoas. Olhei da janela e vi aquela bolinha preta, meio desengonçada, saindo de debaixo do meu carro e correndo pra longe da confusão dos meus vizinhos, que tentavam resgatá-la e já faziam até planos sobre ela. Fiquei indicando a sua direção, pois do alto conseguia ver exatamente para onde ia e percebendo que as pessoas estavam realmente empenhadas em encontrá-la, voltei a dormir pedindo a Deus que cuidasse daquela criaturinha.
Eram 2h30 da manhã quando voltei a ouvir os miados que agora estavam mais altos e sofridos. Num salto voltei à janela e lá estava a ‘bola preta’, novamente saindo de debaixo do meu carro.
Vesti-me rapidamente, peguei uma toalha e esquentei um pouco de frango no microondas pois havia feito aquele juramento de não ter mais bichos e a esta altura eu não tinha absolutamente mais nada para gatos.
Se resgatar um gato já é difícil, resgatar um gato preto à noite parece impossível. Pior, a ‘bolinha preta’ não mostrava o menor interesse pela comida e parecia apavorada com a minha presença.
Comecei a ficar preocupada por estar sozinha, de madrugada, numa rua deserta e pedi proteção e ajuda. Foi quando a criaturinha saiu correndo do esconderijo e se encurralou. Foi a minha chance! Enfrentei aquele olhar ameaçador que só os gatos tem... Sem falar que ela sibilou, bufou, deu patada e tentou me afastar de tudo quanto é jeito. Finalmente peguei-a e enrolei-a na tolha. Fazia muito frio e a pequenina, com o coração disparado, quase desmaiou quando se viu toda enrolada na tolha quentinha e recebendo carinho. Ficou toda molinha, coitadinha.
Passei o resto da madrugada conferindo se ela estava bem. Ela, escondida, não permitia ser tocada e sibilava ao menor sinal de aproximação.
De manhã cedo estávamos na veterinária e Drª Luciana Soares, novamente, tratou-a com todo carinho e atenção. Vendo minha indecisão, ela nos cedeu o "enxoval" básico até que eu decidisse se ficaria ou não com ela.
E eu querendo me convencer de que não a adotaria... Tadinha de mim!
Ela já tinha me adotado. Era minha e eu não sabia.
Perguntando para os vizinhos sobre ela e verificando se tinha dono, descobri que saiu do carro de um cliente da oficina vizinha. Veio da 704 até a 710 norte dentro do motor e quando o mecânico tentou pega-la, sibilou, fugiu e sumiu. Teve sorte de não sofrer nenhuma queimadura ou qualquer outro trauma enquanto esteve dentro do carro ou vagando perdida pela quadra.
Batizei-a de Luna por tê-la encontrado sob a luz da lua e pela cor da sua pelagem que tem nuances de cinza.
Pois bem, Dona Luna passou meses escondida em locais diferentes da kit só saindo para se alimentar ou usar a caixinha de areia. Insistente, eu a pegava sempre que chegava, antes de sair de casa e de tempos em tempos, mesmo sob seus protestos e reclamações. Um belo dia tive a feliz surpresa de tê-la me esperando na porta e morri de alegria: enfim viramos amigas!
Completamente diferente da Flor que era sociável ao extremo, Luna é tímida, quieta, medrosa e desconfiada. Ela é extremamente doce, sensível, delicada, cuidadosa e muito na dela. Uma verdadeira lady! É nítido o cuidado que ela tem comigo e como respeita meu espaço.
Hoje não consigo mais me ver sem a adorável companhia de um gato e agradeço por ela ter aparecido chorando embaixo da minha janela naquela fria madrugada de maio.
Mente quem diz que gatos são frios, insensíveis e desagradáveis. Independentes sim, mas seres adoráveis! Amigos, companheiros, amáveis e dotados de uma grande sensibilidade e personalidade, são animais que
merecem nosso carinho e respeito.

À minha Florzinha do coração, que descanse em paz.. Minha companheirinha felina, o meu muito obrigada pelo seu carinho e seu amor incondicional. Você fez com que eu me sentisse sempre muito especial e espero ter retribuído a altura todo o bem que você me fez. Que Deus a receba de braços abertos e a mantenha em um lugarzinho de muita paz, tranquilidade e muito aconchego que é o mínimo que você merece.

À Drª Luciana Soares, o meu eterno carinho e agradecimento pela atenção, o empenho e o suporte. Que o estudo da minha Florzinha ajude a salvar outras vidinhas atingidas por esta doença tão silenciosa e cruel.

E, claro, à pequena Luna, uma amiga muito especial e muitíssimo amada!




Cristiane Gomes é promotora de eventos em Brasília.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Anjo da Capela


O cãozinho Tom morou, por cerca de dois anos, no Cemitério Campo da Esperança, em Brasília, onde tinha sempre a mesma rotina: conhecendo os horários dos velórios, nas horas marcadas ele adentrava os portões do campo santo e dirigia-se às capelas. Escolhia cuidadosamente um velório - não se sabe bem com qual critério - e esperava que saísse o cortejo. Acompanhava, a uma distância respeitosa, o grupo até o sítio em que seria enterrado o de cujus, e mantinha-se atento a todo o ritual, que conhecia muito bem. Na hora da descida do corpo à terra, ele dava um latido triste, e aguardava que os acompanhantes do morto fizessem o caminho de volta, sempre atrás deles.
Imediatamente, escolhia outro velório, e repetia exatamente os mesmos passos. E assim passava os seus dias.
Ele só não cumpria a obrigação quando desconfiava que era vigiado. Havia sempre alguém interessado em ajudá-lo. Várias pessoas se prontificaram a resgatá-lo daquele lugar, mas ninguém teve sucesso, porque o Tom era sempre mais esperto e conseguia esconder-se. Nesse dia, ninguém o via no Cemitério.
Dormia em vários locais, tinha uma estratégia de fuga planejada. Comia o que lhe davam os ambulantes, de quem era bem conhecido. Mas nunca se aproximou de ninguém, a ponto de deixar-se tocar ou prender.
Os coveiros contam que o seu dono foi enterrado ali, e Tom estava presente. Quando a família foi embora, ele não quis entrar no carro. Não houve meio de o dissuadir a deixar o local onde tinha visto o seu dono pela última vez. Supõe-se que, a cada enterro que acompanhava, esperava que o dono reaparecesse e, quando isto não acontecia, voltava acabrunhado para dar início a outra busca. Daí o vai-vem dele entre as capelas e os locais dos túmulos. De falta de persistência não pode ser acusado. Nem de fidelidade.
Mas nem tudo eram flores para ele. Os guardas do cemitério tinham ordens da Administração para afugentá-lo, e o faziam com brutalidade, chegando a jogar bombinhas em sua direção. Podia-se perceber que ele odiava os homens de farda, passava bem longe deles, nas suas andanças.
O Tom tornou-se famoso entre os frequentadores do Cemitério, e algumas reportagens foram feitas sobre a sua odisseia. Foi apelidado de “O Anjo da Capela”.
Ao tomar conhecimento desta história, eu fui, com a minha irmã e duas amigas, tentar um contato com ele. Passamos uma tarde no Cemitério, mas Tom deve ter desconfiado e não apareceu.
Meses mais tarde, fui procurada pela protetora Graça Perdigão com a intenção de resgatarmos o Tom. Ela já tinha conseguido com o seu veterinário uns comprimidos que deixariam o animal mais relaxado, e lá fomos, munidas com pedacinhos de fígado, que lhe atirávamos, com o remédio.
Acompanhamos pacientemente, vários enterros, sempre a uma distância prudente, para que o Tom não se apercebesse da nossa presença. Mas ele finalmente percebeu, e fugiu. Saiu em disparada do Cemitério e a preocupação maior foi que ele ficasse tonto em meio ao trânsito caótico daquele final de Asa Sul.
A Graça, eu e o meu auxiliar percorremos toda aquela região, à sua procura, em vão. Eu fui embora, mas a Graça ficou por ali, distribuindo cartões com o seu telefone, e prometendo recompensa a quem desse notícias dele.
Ainda não tinha chegado à casa, quando a Graça me liga, dizendo que o Tom estava deitado numa das capelas, tremendo e aparentemente com a pressão baixa, resultado do tal remédio. Nesse momento, ela já estava com um amigo, o Franco, que a ajudou a pegar o animal, e trouxeram-no para minha casa.
Animal bonito, de pelagem branca, comprida, mas muito embolada. Muito resistente à nossa aproximação, a intenção dele era, claramente, fugir daqui, para voltar à sua rotina habitual. Com muito cuidado, paciência e carinho, fomos mudando os padrões de comportamento dele, fazendo-o sentir que havia uma outra vida para além daquela que ele tinha vivido nos últimos dois anos.
Levou algumas semanas para ele relaxar e aprender a confiar em nós. O Tom foi o caso mais difícil que eu vivi, para conseguir que interagisse conosco.
Hoje, entretanto, ele me segue como se fosse a minha sombra. Onde eu estou, lá está ele, olhando para mim. Se saio, ele fica na frente da chácara, à minha espera, não importando por quanto tempo. Acho até que, se eu não voltasse mais para casa, ele nunca mais sairia daquele local, à minha espera.
Afinal, a característica marcante dele não foi sempre a fidelidade ao seu guardião?



Gy é protetora e cuida, com desvelo de mãe, de mais de oitenta cães e uma égua, vítimas de maus tratos e abandono.