quinta-feira, 26 de maio de 2011

MEU CÃO CADEIRANTE


Jane Araújo

Nunca tivemos cães ou gatos quando crianças. Meu pai não gostava e ninguém se atrevia a contrariá-lo. Éramos uma família de 12 filhos e mais primos, empregadas, visitantes, a típica casa mineira do século passado, sempre lotada. Como querer bichos no meio de tanta confusão? Minha mãe gostava de animais. Como não podia ter um cãozinho, colecionava periquitos australianos num viveiro. Eram lindos, azuis, amarelos, verdes, sempre aos pulinhos e beijinhos. Quando minha mãe ficou mais velha e a casa esvaziou com a revoada dos filhos, cada um seguindo o próprio destino, ela pode finalmente ter seu primeiro cão, uma pequinês de nome Kelly. Depois, veio seu filhote, o Beto. Aqueles bichinhos certamente lhe deram enorme alegria na terceira idade.
Quando minha filha fez 14 anos, dei a ela um gato siamês, o Garfield. Depois, compramos a Panda para fazer-lhe companhia. Eles viveram 18 anos conosco. Ao longo dos anos, adotei vários gatinhos que ia encontrando na rua, doei todos, pois, morando em apartamento não tinha como manter mais do que um casal. Ao ficarem doentes e velhos, tive que optar por sacrificá-los, eles tinham chegado ao estado terminal com sofrimento e não morriam naturalmente. Gato tem mesmo sete vidas. Foi duríssimo acompanhá-los na derradeira viagem, fiquei com ambos até o instante final, eram meus xodós. Chorei como criança ao enterrá-los, mas tinha a consciência tranquila de ter-lhes oferecido a melhor vida possível. Como não sei viver sem felinos, pouco tempo depois, adotei a Shiva, uma SRD que está comigo até hoje. Livrei-a de uma gaiola no meu antigo e querido veterinário, o dr. Luiz Fernando Lenzi, que hoje nos olha lá de cima, após sua brusca e prematura partida deste mundo.
Cães, fui ter quando me juntei ao Luiz Otávio. Ele tinha um casal de boxer na fazenda, o Thor e a Donna. Ela faleceu após dar cria e contrair um tétano, por um descuido de não tê-la levado a uma clínica adequada. Dos bebês que gerou, salvamos o Gandhi, que viveu conosco alguns anos em companhia da Pinah, uma SRD negra da melhor estirpe. Gandhi era muito sem juízo e foi picado três vezes por cobra na fazenda, nas duas primeiras ocorrências conseguimos salvá-lo, pois estávamos por perto e aplicamos o soro em tempo. Na terceira, não deu e ele partiu também jovem para o céu dos caninos. Pinah saiu um dia atrás de alguma caça e nunca mais voltou. O Thor também teve não teve melhor sorte, foi morto pelo vizinho que já havia se queixado de ele atacar suas ovelhas. Tempos depois ganhei uma daschund de um amigo, ela latia muito e a vizinha queixou-se e tivemos que levá-la para a fazenda.  A Sashimi amou aquele lugar, corria no capinzal como uma lebre solta, mas um dia o caseiro ligou dizendo que ela tinha sido picada por algum bicho e morrera antes de ele chegar ao veterinário da cidade próxima.
Finalmente, ganhamos o Bill, um fila grandão e meigo como criança boa. Mas tivemos que desativar a fazenda para pô-la à venda e doamos o nosso cãozarrão para um conhecido. Esse pelo menos teve melhor destino. 
Resolvi adotar um cão na cidade, mas queria um que ninguém quisesse, pois adotar animais saudáveis é mais fácil. Então apareceu o Brad Pitt, um pitbull que nasceu deformado das patas dianteiras, sem chance de vir a andar e que foi levado para ser sacrificado na clínica ainda bebê. O pessoal da ProAnima passou um e-mail informando que havia esse filhote disponível para adoção e resolvi ir lá conhecê-lo. Na hora em que o vi, meu coração se compadeceu, assim como o de meu marido, e o trouxemos para casa imediatamente. Hoje ele esta perto de completar 3 anos, cresceu bastante, pesa 30 k e o jeito para dar-lhe mobilidade foi encomendar um carrinho numa empresa em Botucatu (SP), ao qual ele se adaptou muito bem. É um cão feliz e alegre, chama a atenção de todos quando passeamos com ele nos parques e pistas da cidade. Confesso que o começo foi difícil, cheguei a oferecê-lo para outros adotantes, pois o espaço no apartamento não era adequado para ele e os condôminos nunca gostaram da vizinhança conosco. Uma pessoa que aceitou ficar com ele desistiu depois que os cães dela começaram a atacá-lo. Um dia cheguei para ver como ele estava e seu olhar me disse tudo: “Não me abandone, parecia me dizer.” Peguei-o no colo e voltei com ele correndo para casa. O Brad Pitt se tornou nosso filhão, não imagino mais a minha vida sem ele.
Acho que todos deveriam pensar em adotar um animal, a alegria que eles sentem por ter um lar e quem os ama e proporcionalmente igual à felicidade que dão aos donos. Ajudem a dar um lar e amor aos milhares de cães abandonados em abrigos e na CCZ, estes condenados a uma morte horrível numa câmara de gás. Tenho certeza de que ficarão duplamente recompensados com a gratidão desses animais Experimentem essa alegria e em breve estarão neste espaço dando um depoimento semelhante ao que faço agora.

Jane Araujo é jornalista, trabalha atualmente no Serpro, é ativista da causa dos animais, ajuda protetores independentes em vários estados brasileiros, fazendo campanha e rifas em prol desses abnegados defensores dos bichos. Quando aposentar, pretende criar uma associação de proteção e certamente atuará com mais ímpeto na ajuda e resgate desses seres tão sofridos que perambulam pelas nossas cidades sob o olhar indiferente das autoridades e das comunidades que os vêem como estorvo e não como seres merecedores da vida, de respeito, de um lar e de carinho.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

PROFESSORES DE QUATRO PATAS




Gabriele e Fernando

Assim que casamos, quando ainda morávamos em Curitiba, compramos nossos dois primeiros gatos: o Ausprício (Pico), um exótico preto, compramos em 2003 e o Fidel (Fofi), um persa branco e cinza, compramos em 2004.  Tinham pedigree e atestado de saúde. Além disso, a gente achava que, apenas por serem “de raça”, seriam animaizinhos com comportamento exemplar.
Ao nos familiarizarmos com nossos gatos, pesquisando sobre ração, comportamento e outras coisas, aprendemos que existem milhares de animais abandonados e que o comércio e a criação de animais domésticos são, em regra, atividades que trazem em si uma crueldade inimaginável.  Por isso, há seis anos prometemos nunca mais comer qualquer tipo de carne ou comprar qualquer espécie de bicho.
Aprendemos também que o comportamento do animal depende mais do jeito como ele é tratado e do ambiente em que ele vive do que do pedigree ou carga genética. Claro que cada um tem uma personalidade e um animal adotado pode ser mais ou menos agitado, mas o mesmo pode ocorrer com um animalzinho “de raça”.
Em junho de 2008 nos mudamos pra Brasília e, é claro, nossos filhos vieram junto.
No dia 09 de abril de 2010, após três cirurgias e muito sofrimento, o Fofi morreu de um problema congênito no coração, agravado por uma disfunção nos rins. Descobrimos, depois, que o Pico tem o mesmo problema, só ainda não tinha manifestado. Ou seja: atestado de saúde e pedigree não são garantia de que o bichinho nunca vai ficar doente. Pelo contrário, nesses “criadouros” os entrecruzamentos são tantos que nossos dois gatos, de raças e pais diferentes, manifestaram o mesmo e raríssimo problema cardíaco.
O Fofi nos ensinou, do jeito mais doloroso, que bicho é que nem filho. A dor da perda de um bichinho é tão grande quanto a perda de um ente querido, mas a alegria e o amor que eles nos dão em troca compensa totalmente qualquer sofrimento. Choramos e sofremos pela perda dele até hoje.
Com a morte do maninho, o Pico emagreceu 30% do seu peso em duas semanas e o coraçãozinho dele começou a dar sinais de cansaço. Foi então que, mesmo ainda sofrendo muito pela perda do Fofi, decidimos adotar uma gatinha bem filhotinha.
A Suzane, do SVPI, nos recebeu de braços abertos. Lá chegando, um tigre adolescente de olhos verdes roubou nosso coração. O nome dele era Juanito, pois tinha todos os hábitos de um bom amante latino: se esfregava e ronronava pedindo carinho para qualquer um.
No dia seguinte, já na nossa casa, o Juanito passou a se chamar Bacana, pois era o gato mais carinhoso, sociável e, enfim, bacana, que a gente tinha visto.
Bacana e Pico ficaram amigos em mais ou menos uma semana.
O Pico está com quase oito anos. Recuperou o peso perdido e está muito saudável. Passou a contar com um personal stylist: todos os dias, quando bate o sol na nossa cama, o Bacana dá um banho completo no irmão mais velho!
No final de 2010, “passeando” pelo site do SHB nos apaixonamos perdidamente por uma cachorrinha preta, de olhar tristonho. Antes mesmo de sabermos se ela ainda estava para adoção, a gente já tinha escolhido o nome: Mafalda, a quem, carinhosamente, chamamos de Fafá. A única vez que essa sapequinha bandida ficou parada foi pra tirar a foto que nos conquistou (risos). Ela é vivacidade pura e veio pra balançar as estruturas da nossa casa – o que tem sido ótimo, pois quem nos conhece sabe que precisamos muito fazer exercícios (mais risos).
O Bacana e a Mafalda também são amigos inseparáveis, brincam e dormem juntos o tempo todo. Às vezes a Mafalda morde o Bacana e arrasta ele pela casa, como se fosse um esfregão: o sem vergonha adora!!!
Adotamos o Bacana para salvar nosso gatinho, mas ele acabou salvando os humanos também. Estávamos tão tristes naquela época, por vários motivos, e ele, com seu jeito sem noção, passou a ser motivo de alegria e risadas várias vezes por dia.
Ainda estamos nos acostumando com toda a agitação da Fafá, mas ela é o que dá tempero e emoção à nossa vida, sempre aprontando (e sempre com a maior cara de coitadinha, hehehe). É impossível ficarmos brabos com ela, mesmo quando ela decide roer o sexto par de chinelos.
Nossos filhos de quatro patas são nossos amores e nossos professores.
São eles que fazem do nosso apartamento um lar, um lugar pra onde voltamos ansiosos e com saudades.
Eles nos ensinam, todos os dias, que devemos viver no presente, sem lamentar o passado e ansiar pelo futuro. Eles nos mostram como aproveitar cada minuto e nunca perder a oportunidade de demonstrar todo o amor que sentimos. E que isso não depende de raça, cor, tamanho ou procedência: é amor e pronto.
Hoje não vemos razão para que um amigo animal seja comprado, há tantos e tão lindos esperando por um lar...
Adotar é mesmo muito bom. Nós recomendamos!




Gabriele e Fernando, vivem em Brasília desde 2008.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

UMA PEQUENA ESCOLA DE AMOR



Marília Malheiro

Adotei a Suza há 2 anos.
Sempre gostei muito de animais e não enxergava minha vida sem um cachorro do lado. Tive essa companhia de quatro patas a infância inteira! Quando me casei, a Yoko, bull terrier da família, ficou na casa da minha mãe. Minha mãe dizia “Apartamento é crueldade, e aqui ela fica mais feliz”. Suspirei e deixei minha Yokito lá sabendo que ela continuaria sendo bem cuidada.
Mas a vontade continuava falando alto. Só que em apartamento as coisas são mais complicadas que numa casa e eu e meu marido ponderávamos muito. Os cuidados são maiores: tem que descer pra passear com mais frequência, para fazer as necessidades, não havia a mínima possibilidade de dar um banho de mangueira quando a cachorra precisasse.
Optamos por fazer o teste como lar temporário de algum animal da ProAnima, e a Suza era uma cachorrinha que estava precisando. Já a conhecia de outros trabalhos voluntários e já éramos "amigas". A Suza, para quem não conhece, é uma cachorra que foi resgatada de uma operação do Ibama contra maus tratos. Vivia apertadinha, sem saúde, parca comida, e muitas doenças com mais de 30 outros bichos! Tomava Gardenal, tinha dificuldades locomotoras e um geniosinho difícil (também pudera! Só Deus sabe o que ela viveu)!
Muitos vão se perguntar: mas por que trazer para casa uma cachorra que tinha suspeita de ter câncer, já velha, com dificuldades de locomoção, conhecido comportamento difícil (era uma cachorra ranzinza, que não se dava bem com outros cães), que toma remédio controlado?
Eu respondo com outra pergunta: se eu tinha condições de cuidar, por que não? Quem quer se dedicar e dar amor a um animal não escolhe idade, saúde. Aceita o animal como ele é. E tive a sorte de a Suza me aceitar com muito amor na sua vida e ser uma verdadeira escola para mim e para minha família. E uma escola de carinho e afeto recíprocos. Os cuidados são muitos? Sim. Mas não tinha como ser só lar temporário, tínhamos que adotá-la!
Embora inicialmente a Suza tenha tido ciúme de meu filho pequeno, vi que a socialização com pessoas, outros cães e animais era só uma questão de dar-lhe atenção e ensiná-la. Não sei se ela tinha tido essa oportunidade antes. Seus problemas de locomoção melhoraram também. Apesar de, quando muito empolgada, ainda cair e não se equilibrar muito no lado direito, melhorou muito, e corre, pula e trota pela casa quando lhe convém e como cachorra gulosa que é, é uma assistente de cozinha fenomenal!
Hoje em dia a família aumentou. Adotamos mais 3 gatinhos que achamos abandonados embaixo de nosso bloco e  ela convive bem com todos. Dizemos que é um ser evoluído: aguenta bem as brincadeiras frenéticas de todos os filhotes lá de casa e é uma amiga leal à beça. Não me arrependo. Recomendo a todos a adoção. É um aprendizado muito grande que se ganha em termos afetivos, de responsabilidades e cuidados que se pode ter com um ser. E que dinheiro nenhum no mundo pode pagar.


Marília Malheiro mora em Brasília, é casada, tem um filho humano e quatro peludos adotados: a Suza e três gatinhos.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MUITO ESPECIAIS



Nena Medeiros
Laila e Joly foram resgatadas das ruas. Vítimas de abandono como tantas outras de que temos notícias, elas não sucumbiram às estatísticas: 85% dos animais deixados à própria sorte por seus “donos” morrem nos primeiros dias, a maioria, vítima de atropelamento. Não, elas não sucumbiram ao trânsito caótico das cidades. Mas, quase.
Laila, paralítica da cintura para baixo, arrastava pelas ruas da Ceilândia um barrigão de dez filhotes, já em tempo de parto. Joly, ainda muito jovem, estava jogada em frente ao Centro de Reabilitação Deus Proverá, à espera da providência divina, por mais de dois dias, “toda desconjuntada”. Foi “salva” por uma vizinha, apenas para ser novamente abandonada, desta vez, em frente ao Hospital Veterinário da UnB, onde ficou arrastando-se às margens da movimentada L4, em vias de sofrer um novo e talvez definitivo atropelamento.
Laila e Joly fugiram às estatísticas. Graças ao apoio de muitos envolvidos com a causa animal e muitos “simpatizantes”, receberam abrigo, atendimento veterinário, alimentação, água e carinho, muito carinho. No dia 21/03 iniciaram tratamento de fisioterapia e acupuntura e têm chances de desenvolver o que os médicos chamam de marcha reflexa, ou seja, poderão andar. Será um caminhar meio desengonçado, mas ainda assim, lhes dará mais independência e evitará feridas provocadas pelo arrastar-se no piso.
Até lá, elas usam cadeirinhas de roda. A da Laila chegou pelos Correios, adquirida pela Internet. A da Joly foi fabricada em casa, a partir de um carrinho de feira, a um custo bem menor. As cadeirinhas não podem ser usadas todo o tempo, não lhes permitem deitar para o repouso e podem provocar assaduras, mas são recursos importantes para que elas possam exercitar-se, divertir-se e interagir com os outros cães da casa, embora a paraplegia não as impeça disso.
Laila e Joly, mesmo sem as cadeirinhas, brincam, disputam espaço e carinho, cheiram tudo o que vêem, latem, defendem território e matilha. Indiferentes à sua paraplegia, são cães, no verdadeiro sentido da palavra: amorosas, carentes, alegres, espertas, fortes, corajosas, curiosas... Vivem o presente. O passado talvez volte em fragmentos, quando precisamos nos afastar delas. Nessas horas, choram de angústia e tristeza pelo medo de um novo abandono, este sim, seqüela dolorosa, mais que a medula rompida... Futuro, talvez a espera pelo nosso retorno. No intervalo, uma eterna lição de vida: é o momento que importa, a amizade, o amor pelos seus... Viver!
Dá trabalho? Sim! Elas são incontinentes, a higiene é um problema. Também dá gasto, embora muito tenha sido conseguido com doações e subsídios nas clínicas onde foram atendidas. Mas, sabê-las protegidas, amadas, cuidadas como todo ser vivo merece ser, é uma sensação maravilhosa. Dizem que um animal assim tem um sentimento forte de gratidão. Não sei... Só sei que eu agradeço a Deus por cada minuto delas ao meu lado, cada pequeno progresso delas no seu dia a dia de eterna superação.
Por que eu conto tudo isso? Não. Não é para receber loas e ovações pelo meu ato caridoso, pelo meu grande coração. Na verdade, a decisão de acolher essas mocinhas foi muito mais racional do que emocional: elas precisavam, eu podia. Seria muito mais fácil sacrificá-las logo... Para quê manter vivo um animal com esse nível de dependência e limitações? Porque é isso o que nos difere dos outros animais: somos capazes de dar valor à vida. Protegemos os idosos, os doentes, os mais fracos. Lutamos por eles, queremos vê-los bem, não queremos que sofram. Isso é evolução e eu gosto de partilhar essa minha experiência para incentivar outras pessoas a fazer o mesmo, porque, como a Laila e a Joly, existem muitos outros animais com necessidades especiais precisando de um lar por aí. No Augusto  Abrigo, por exemplo, sei que há três. Imagine quanto um lar amoroso faria bem a algum deles... Imaginou? Pois é... Agora, basta querer e poder.

Vídeos delas no Youtube:



Nena Medeiros é analista de sistemas, empregada dos Correios e casada com Marco Pires. Ligada à causa animal, atuou como voluntária da ProAnima por cinco anos e é escritora, publicando seus textos no Recanto das Letras.