quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Paçoca e seus quitutes



No início foi uma longa paquera. Eu morava num apartamento com dois gatos e um marido. Menciono os gatos primeiro porque, quando me juntei ao meu marido, o Picolé (hoje com 9 anos) e a Milka (7) já dividiam o lar comigo. Meu marido, o quarto membro da casa, se adaptou muito bem a nós três e nós a ele. Aliás, estávamos os quatro muito felizes e com a “lotação” na época. Mas aí, quando a gente menos espera, quando acha que o coração já está totalmente preenchido, eis que pinta aquela paquera... Estou falando de uma gata escaminha que conheci na garagem do meu prédio na Asa Norte.
No primeiro dia em que a vi, ela estava acompanhada de um gatão vesgo, rajado de cinza. Não resisti e passei horas na garagem tentando conquistar os dois. Levei ração, água e muitos afagos e carinhos. Eu queria tirá-los da garagem, com medo de que fossem atropelados ou que alguém fizesse mal a eles. Conversei com o porteiro e ele me disse que o gato já era conhecido, que viva nas redondezas da quadra há tempos e que havia uma senhora que deixava comida para ele todos os dias. A gata era nova no pedaço.
Com receio de que os meus gatos não se adaptassem a novos amigos felinos ou até que pudessem contrair alguma doença, não trouxe para casa os dois. Mas entrei no apartamento e o meu coração ficou na garagem. Mandei mensagens para as associações e ONGs de proteção a animais que eu conhecia com um apelo para que alguém os adotasse, mas, apesar do apoio que tive, ninguém se manifestou para abrigá-los.
No dia seguinte, o gatão já não estava mais na garagem. A gata, sim, pequenina, sujinha e indefesa. Ela havia encontrado abrigo debaixo do carro do meu vizinho, que estava viajando. E lá ficou por mais uns dois ou três dias. Eu estacionava o carro e lá estava ela, arredia no começo, mas derretida de carinho quando eu a chamava para conversar. Depois, era eu entrar em casa e o choro começava. Ela na garagem, eu no meu apartamento. O meu coração cada vez mais lá com ela, com medo do que pudesse acontecer. Até que meu marido implorou: “se for pra você chegar em casa chorando todos os dias, traga logo ela pra casa!”.
Ah, era só o que eu precisava ouvir!


Quando a trouxemos, ela era bem magrela e escurinha. O primeiro banho que dei – a que ela não resistiu – revelou que o escuro era uma capa de sujeira. O nome que escolhemos ao ver a pelagem que apareceu foi unânime: Paçoca. Para minha surpresa, o Picolé e a Milka não demoraram muito para adotá-la também. Algumas rosnadas, umas encaradas, aquelas cheiradas mais profundas, um estranhamento aqui, outro ali e pronto! A Paçoca era o mais novo membro ronronante da família.
E para provar que sempre há espaço no coração da gente, depois de dois meses, a Paçoca nos presenteou com quatro surpresinhas lindas: Quindim, Pipoca, Remela e Mandela.



Três loirinhos e um pretinho, todos machos, prováveis resultado do affair com o gatão vesgo da garagem, já que lá em casa era todo mundo castrado (oooops, menos eu e o meu marido, é claro).
Hoje a gente diz que há 51 vidas lá em casa. As sete dos sete gatos e uma de cada um de nós. Não, não conseguimos doar os gatinhos que nasceram debaixo da minha cama há quase três anos. Ninguém seria bom o suficiente para as nossas exigências. E o que eu aprendi com a Paçoca e seus “quitutes” foi que não devemos resistir aos apelos do coração. ADOTAR É TUDO DE BOM!!!!




Veridiana Steck mora em Brasília, tem 35 anos e é funcionária pública. Além de contribuir financeiramente com alguns grupos de proteção, ela mantém em sua chácara dois cavalos adotados no programa Aposente um Pangaré, da Proanima.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Universo Conspira a Favor de quem Faz o Bem


Tudo começou com uma foto compartilhada no facebook.
À primeira vista era impossível não pensar na dor daquela cadelinha. Depois bateu a revolta ao pensar: como alguém tem coragem de deixar um animal nesse estado? É muita crueldade!
A mistura desses sentimentos nos fez pensar no que poderíamos fazer para ajudar aquele anjinho. Para começar, entramos em contato com a responsável pela denúncia, Laine Carvalho.
A partir dessa conversa, ficou tudo acertado e, na manhã de sexta-feira, dia 2 de dezembro, saímos da Asa Sul rumo a Samambaia (região do entorno do Distrito Federal), onde a cadelinha se encontrava. O percurso dura aproximadamente 45 minutos. Chegando lá encontramos com a Laine, no estacionamento do Hospital Regional de Samambaia (HRSam). O local onde a cadela estava era próximo dali, num terreno que serve como depósito para materiais de construção de uma madeireira. No canto do terreno estava ela, com um imenso tumor na face, mas um encantador brilho no olhar. Mansa e carinhosa, aquela cadelinha amedrontada aceitou nossos carinhos logo de cara e aproveitou para comer um pouco de comida que havíamos levado. Ao lado da árvore em que estava amarrada havia uma casinha de madeira, improvisada. Ali, no meio de vários entulhos e também amarrado por uma corrente estava outro cão, que nem sabíamos que estaria lá, também muito dócil e atencioso. Pelos vestígios no chão, os dois eram alimentados com restos de galinha e verduras. A vasilha de água tinha mais sujeira do qualquer outra coisa. Aliás, em todo o ambiente, muito lixo misturava-se aos excrementos dos dois. Uma situação de total abandono e falta de respeito com a vida.
Ficamos todos impactados com aquela cena, mas, afinal de contas, estávamos lá para resgatá-los e providenciar cuidados para que ela, principalmente, fosse tratada com rapidez. Ficamos receosos se conseguiríamos levá-los, porque havia dois trabalhadores da madeireira no local. Eles, a princípio, disseram que nem sabiam da existência dos cães, mas, quando viram que realmente iríamos levá-los, ligaram para outro funcionário, que diziam ser o “responsável” pelos animais. Não demorou muito e esse senhor chegou, dizendo que estaríamos fazendo um favor para ele levando a fêmea para se tratar, mas não queria que pegássemos o macho. Impossível deixar aquele animal ali, daquela forma. Então, mesmo sob os protestos dele, colocamos os dois dentro do carro e partimos rumo ao Hospital Veterinário São Francisco, que fica próximo à Hípica.
O resto da história, muitos já conhecem. Kiara e Kimbo foram apadrinhados pelo grupo Salvando Vidas Protetores Independentes - SVPI e estão internados. Kimbo está saudável e prontinho para encontrar um novo lar. Kiara já se submeteu a duas cirurgias para tratamento do terrível tumor na face. O resultado da biópsia apontou mesmo para carcinoma e ela passará pelo tratamento de quimioterapia. Se depender das torcidas e orações que esta história provocou, ela ficará boa e se tornará a doce companhia de uma linda família, muito amorosa. Boa parte dos custos para o tratamento desses dois veio das rifas que o grupo Ação Animal DF (Suzana, Nena e Gy) fez. Rifas que só acontecem porque todo mundo se dispõe a doar um pouquinho, seja nos prêmios, seja ao comprar um bilhete.
Essa é apenas a descrição de como ocorreu o resgate e depois, de como as forças se juntaram em prol dessas duas criaturinhas, vítimas de gente cruel, ignorante e egoísta. Dois anjinhos que não representam nem metade dos cães que sofrem com a negligência dos “donos”.
Alguns já devem ter passado por isso, mas pra quem nunca teve essa experiência: vocês não sabem como é satisfatório ver um animal ser resgatado e saber que, daquele dia em diante, ele será bem cuidado! A Kiara nos deu uma lição que levarei para o resto da minha vida: durante o percurso ela mantinha o brilho no olhar e transmitia uma alegria intensa, apesar da dor.  Kimbo foi quietinho no porta-malas e, quando desceu do carro, nos seguia como se fossemos seus donos há anos.
Essa confiança, essa alegria deles, não tem preço e você também pode experimentar isso se não cruzar os braços diante da dor desses nossos irmãos. Sem medo do que vem depois, arregaçar as mangas e providenciar o socorro, o tratamento, e empenhar-se para que consigam lares em que os animais, de fato, sejam tratados com o respeito e carinho que merecem.
O universo conspira a favor de quem faz o bem.

Nathalia Fleger, mora em Brasília, é estudante

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Quando eu morrer, quero ir para o céu dos cachorros!



Desde que me entendo por gente, sempre convivi com cachorros.
Já tive duas Princesas, Samanta, Zigy, Pituxa, Faruk e, sou a feliz mamãe (ou vovó) da Jujuba e da Gigi.
Hoje, em meio à saudade de todos que já foram, minha homenagem vai para uma linda mocinha, a Pituxa.
Tínhamos acabado de perder a Princesa para um tumor no útero. Eu estava arrasada, sentindo muito a falta dela, daquela coisinha preta, de pêlo liso e brilhante e pernas curtinhas que adoravam pular para pedir carinho. A doença dela foi repentina, nem lembro como aconteceu, só sei que entre cirurgia e a ida dela, foi tudo muito rápido e doloroso.
Enfim, ficamos sem ela e o vazio estava muito grande...
Então, um dia, percebemos a presença dela, daquela que seria a futura Pituxa, ao longe, discreta. Suja, muito magra e machucada.
Só a víamos muito de longe e começamos a observá-la. Ela tinha verdadeiro pavor do ser humano, provavelmente, herança do tratamento que recebia pelas ruas e bastava que a gente olhasse em sua direção, que ela já corria, com o rabo entre as pernas e gritando, como se tivesse levado uma pedrada. Era triste vê-la naquelas condições e não conseguir, sequer, uma aproximação.
Assim, passaram-se semanas. Ela ia e vinha pelos arredores lá de casa, como se estivesse também nos observando e sempre de longe.
Resolvemos colocar comida na porta de casa e minha mãe caprichava no cardápio, com muita carne, bem cheiroso, na tentativa de atraí-la. E ela resistia! Deixávamos na porta de casa por vários dias e a comida amanhecia do mesmo jeito. Insistimos bastante, até que, um dia, ela, provavelmente vencida pela fome, superou seu imenso medo de nós, seres humanos, e comeu! Comemoramos, olhando para ela de longe.
Ficamos nesse namoro por um bom tempo. Ela vinha comer de vez em quando, bebia a água que colocávamos e foi se aproximando. Muito devagar ela estava aceitando nossa sutil aproximação também e conseguimos ficar por perto um dia enquanto ela comia. Mais umas semanas e conseguimos chegar perto do prato com ela lá, comendo! Ela nos olhava com muito medo, rabinho baixo, mas estava comendo e isso era o suficiente para nós, naquele momento, que ela se alimentasse. Muito tempo depois, não lembro quem foi, conseguiu encostar a mão nela! Uma vitória, diante de toda a resistência.
Depois disso, nosso namoro foi avançando e da mão sutilmente encostada, fizemos um afago, um carinho mais demorado, uma tentativa de abraço. Deixamos uma grande caixa de papelão na varanda da casa e esperamos o dia em que ela resolvesse entrar. Ela entrou e de lá não mais saiu. Finalmente, demos banho, limpamos as orelhinhas, ela estava imunda, tratamos os machucados e ela começou a engordar a olhos vistos. Foi batizada: PITUXA e bem rápido reconheceu seu nome, muito esperta ela era! Ela era loura, de porte médio, olhos escuros e ar de rainha, altiva, serena, uma lady.
Como a casa ainda não tinha muro, não tínhamos como mantê-la dentro e ela dava umas escapadas, afinal, estava acostumada a não ter barreiras na rua. Em uma dessas vezes, ela cruzou e preparamos tudo para a chegada dos filhotinhos, que vieram em uma madrugada de chuva torrencial em que chegamos em casa tarde da noite e a procuramos por todos os lados e nada. Cadê a Pituxa, debaixo dessa chuva e com aquela barriga? Até que a encontramos. Ela, que já devia ter sido mãe em outras ocasiões e, por certo, na rua, havia cavado um buraco enorme na piscina que estava sendo construída, uma espécie de túnel e estava deitada lá no fundo, já em trabalho de parto e no meio da lama. Não tínhamos a menor experiência com partos e ela estava mal acomodada, suja de lama e o “ninho” que tinha providenciado rapidamente ia ficar cheio de água, o que poderia afogar os filhotinhos. Ela preparou aquele “ninho” bem rápido, apesar da barriga enorme, e debaixo da chuva, em um intervalo em que saímos de casa, desconsiderando a “maternidade” que tínhamos preparado para ela. É... A vida para essa mocinha não deve ter sido fácil, ela teve que se virar em muitas situações!
Foi um esforço enorme tirá-la daquele buraco, muita chuva e muita lama, ela muito pesada e nós, morrendo de medo de machucá-la. Em momento algum ela perdeu o jeitinho doce e meigo, mesmo sentido as dores do parto e sendo retirada do ninho perigoso que cavou.
Nasceram os bebês. Ela fez tudo sozinha, foram 11 filhotes. Ficou ao lado deles todo o tempo, sem reclamar quando íamos pegá-los, sem reclamar de absolutamente de nada, mesmo quando aquela galerinha toda cresceu e ficava mamando nela com aquele monte de dentinhos! É claro que nossa decisão peremptória era não ficar com mais nenhum cachorro, afinal, tínhamos sofrido tanto com a Princesinha. Mas, aí conhecemos o Ziggy, o maior e mais gordinho dos bebês e de olhos azuis! Atrapalhado, caía dentro do prato de leite, comia rápido para comer a comida dos irmãos, uma doçura. Fomos vencidos e ficamos com ele. O Ziggy era realmente uma figuraça e merece uma homenagem só dele, diante de tantas situações hilárias que protagonizou.
Mas a Pituxa continuava lá, linda! Nunca conheci uma cachorrinha mais meiga. Brincava de forma comedida, sem nos derrubar como fazia seu filho; jamais entrava em casa, mesmo quando deixávamos a porta aberta; foi uma mãe exemplar, em todas as três gestações que teve conosco, sempre com mais de dez filhotinhos; aguentava sem reclamar quando seu filho, o Ziggy, continuava engolindo a comida bem rápido e ia comer a comida do prato dela. Tinha umas manias muito doidas, é verdade, acho que era caçadora, já caçou tatu, pássaros e adorava cavar um buraco, principalmente nos canteiros de flor da minha mãe ou no canteiro de alface, tomate, morango... Minha mãe adorava!
E o tempo foi passando. Não sabíamos a idade que tinha, mas sempre foi ativa e alegre. Até que em determinada época, começou a definhar lentamente. O pêlo foi perdendo o viço, o apetite foi mudando, as brincadeiras, rareando... Não sabíamos o que fazer. O veterinário receitou vitaminas, fez exames e nada de conclusivo. Mudamos a alimentação e o quadro não melhorava. Tinham épocas em que ela ficava melhor, noutras, decaía... Seu pêlo caiu, seus olhos ficaram branquinhos, mas ela continuava enxergando. Hoje, se fala muito em leishmaniose e acho, pelos sintomas que me recordo, que ela devia ter isso, mas nunca foi diagnosticado.
Ela ficou mal. Quase não se levantava mais para comer, estava fraca. Procuro pensar que fizemos tudo que estava ao nosso alcance para ajudá-la, não sabíamos de sua vida anterior, se tinha alguma doença crônica, não sabíamos de nada, só que a vimos suja e magra e quisemos muito ajudá-la e trazê-la para perto de nós, para “debaixo de nossa asa”. Às vezes me pego pensando que poderíamos ter feito mais, em termos médicos, sei lá. Tenho certeza que em termos de amor e cuidados, ela recebeu tudo e muito mais. Quando ela não conseguia mais se levantar para comer, dávamos comida na boca. Minha mãe preparava mingau bem molinho e ela comia de colher ou na seringa; colocávamos na cama e enrolávamos cobertores nela quando estava frio e ela amanhecia praticamente na mesma posição. Seu olhar de gratidão era comovente e aquele olhar nos dava a certeza de que estávamos junto com ela, na sua luta.
Até que um dia, em um ato de extrema coragem, minha mãe, sozinha (eu e meu irmão estávamos viajando), precisou chamar o veterinário e escutá-lo dizer que a melhor opção para ela seria a eutanásia. Não consigo imaginar decisão pior a ser tomada sozinha, naquelas circunstâncias. Até hoje não me perdôo por não estar junto, da minha mãe e da Pituxa naquele momento. Minha mãe a viu sendo levada e ficou acompanhando ela ir embora com os olhos até o final. Depois, foi pedir colo na casa de uma amiga vizinha, pois não tinha ninguém mais em casa para chorar junto.
Nosso lado racional grita em uma hora dessas, é claro. Ela não tinha mais tratamento, não estava mais conseguindo ficar em pé e nem comer, o veterinário disse que seria questão de tempo, mas o coração não aceita, muito tempo já se passou e até hoje não aceita.
Hoje, naquela casa onde morávamos junto com a Pituxa e Ziggy, moram meu irmão e cunhada. Quando vou lá e vejo aquele canil vazio, me aperta o coração, lembro deles. Lembro da bagunça que faziam quando a gente chegava, dos dois deitados na beira da piscina tomando sol de barriga pra cima, dos buracos nos canteiros, das fugas da Pituxa, dos filhotinhos. Engraçado, parece que sinto até o cheiro deles e olha que se passaram muitos anos!
Espero nunca mais ter que passar pela situação de escolher o momento em que meu amigo vai embora. É uma lembrança que jamais me abandona. As boas lembranças dela, dos momentos em que estivemos juntas são muitas, mas a certeza de que ela foi embora por uma decisão nossa, é forte demais. Sei que foi o melhor para ela, diante do sofrimento, mas não queria ter tido participação nenhuma, só Deus deveria ter escolhido a hora exata.
Acredito que todos eles entraram em minha vida porque eu tinha que viver com eles. Meu coração recebeu uma parte de todos eles e, no meio dos meus defeitos, consegui me tornar uma pessoa melhor ao conviver com eles, fui tocada pela pureza da alma deles. O sentimento que todo cachorro emana, todos mesmo, mesmo aqueles considerados ferozes, é de amor, assim os vejo. Companheirismo, devoção, lealdade, aceitação extrema, fé nas pessoas, é assim que eles são. E, para mim, uma das grandes representantes de tudo isso foi a Pituxa, com seu olhar meigo, foi vencendo seu medo de nós, seus algozes na vida dura que deve ter levado na rua, e soube amar de novo e o fez com muita força, com muita maestria! E nós a amamos com toda força do nosso coração também, seus últimos anos foram de paz, de certeza de ser cuidada, de carinhos, de aconchego.
Minha idéia de chegada a algum lugar para onde irei quando não estiver mais aqui na Terra é a seguinte imagem: eu chegando e todos os cachorrinhos que já tive e terei, lá, me esperando, abanando os rabinhos e pulando em mim, assim que eu chegar. Quero abraçar, beijar, sentir de novo o cheirinho de cada um, ficar junto. Essa é minha ideia de aconchego, de segurança. Se eu puder escolher, é assim que quero. Enquanto esse dia não chega, me divirto e exercito meu amor com aqueles que amo, minha filha, meu marido, minha mãe, meu irmão, minha família, meus amigos de coração e com a Jujuba e a Gigi, minhas lindas filhas de quatro patas que me enchem de alegria e vontade de voltar pra casa!E, no coração, a lembrança forte e eterna daqueles que já foram e que sempre vão me acompanhar em todos os dias da minha vida e, espero, me encontrarão em outro lugar, com os rabinhos abanando.






* A foto da Pituxa é somente ilustrativa. Ela viveu antes da popularização das máquinas digitais. Pituxa também viveu quando não se tinha muita consciência de guarda responsável. O grupo Ação Animal DF recomenda fortemente que sempre se castrem os animais e que nunca os deixem sair livremente sem acompanhamento, pois as ruas são perigosas para um bichinho.

Luciane Moreira mora em Brasília e é a feliz mamãe da Princesa, da Pituxa, do Ziggy, que deixaram muitas saudades, e hoje, é a feliz vovó da Jujuba e Gigi..

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

E Assim, Virei Protetora



Eu e o meu marido tínhamos um Cocker chamado Johnnie, comprado de um criador. Amávamos cachorros, mas sequer tínhamos noção de processos de adoção. Um dia, uma amiga mandou um pedido de ajuda por e-mail para uma cadelinha que estava se tratando de um tumor com ajuda de uma protetora. A partir deste caso, comecei a pesquisar na net coisas sobre animais de rua resgatados e dados em adoção. Nestas buscas cheguei ao abrigo São Francisco de Assis, em Salvador, onde morávamos na época. Olhando as fotografias com o meu marido, chegamos a um pedido de adoção que mexeu com coração e alma de um jeito extremo, inexplicável... era um cãozinho chamado Vitório, o olhar clamava por socorro, ele havia sido atropelado duas vezes, estava com marcas de queimaduras e sarna pelo corpo todo, também não tinha uma das orelhas. Uma lástima! Foi o meu marido quem falou primeiro: este é o nosso cachorro! Entrei em contato com o abrigo e descobri que o Vitório estava em um lar temporário. Fomos até lá para conhecê-lo pessoalmente e assumimos, a partir daí, a ração dele.
Vitório ainda estava precisando de cuidados especiais, por isso era conveniente que ficasse mais um pouco no lar. Até porquê, não sabíamos como o nosso Johnnie receberia o novo irmão e ele ainda estava muito debilitado. O tempo foi passando, nós sempre íamos visitá-lo, até que resolvemos levá-lo pra casa para passar o carnaval e fazer o teste de adaptação com o irmãozinho. Não foi muito tranqüilo. Johnnie estranhou muito, brigaram, precisamos colocar um calmante indicado por uma protetora na água deles. Devolvemos Vitório na quarta-feira de cinzas, com o coração em frangalhos... Voltei chorando o caminho todo! Na tentativa seguinte de adaptação com Johnnie, não consegui mais devolvê-lo e ele ficou de vez em nossa casa. Vitório parecia ser o cão mais especial do mundo! Ele desenvolveu um encantamento pelo meu marido que fugia do normal. 
Infelizmente, Vitório nunca ficou completamente saudável. Ele tinha uma tosse que não conseguimos diagnosticar. Alguns cogitavam que seria uma reação de efeito emocional, pois a tosse só vinha quando ele estava eufórico. Chegamos a fazer exames de coração e nada foi acusado. 
Em julho de 2010, um ano após a adoção de Vitório, viemos morar em Brasilia.
Estavamos acabando de nos instalar e no nosso terceiro dia aqui, ao voltar de um jantar, por volta das 20h, percebemos que a tosse estava muito forte, incessante.
Colocamos Vitório no carro e saímos feito loucos à procura de um veterinário que funcionasse 24 horas. Por não conhecer quase nada aqui, rodamos por cerca de uma hora pelo Guará e nada! Decidimos voltar para casa e procurar na internet. Ele tossindo muito, nós aos prantos, até que achamos uma clinica na Asa Sul que era 24horas. Partimos pra lá mas, no caminho, o coração dele parou de bater na minha mão. Desci do carro desesperada, gritava na porta da clinica como louca, mas infelizmente a morte dele foi constatada pelo veterinário. Passamos meses chorando muito e até hoje, um ano e meio depois, ainda choro muito ao lembrar, olhar fotos...
Vitório abriu meu coração para o amor mais divino que já conheci, o amor mais despretensioso, mais sincero do mundo... Hoje tenho mais um que resgatei das ruas aqui em Brasilia e não tive coragem de dar em adoção, amo meus dois cachorrinhos demais, mas o que o Vitório trouxe para a minha vida é só dele: a certeza de que um animal adotado consegue te agradecer a cada segundo apenas com um olhar! Eles têm a real noção de que foram salvos e isso é lindo, isso foi capaz de transformar a minha vida!

Por meio da adoção do Vitório passei a me envolver de corpo e alma na proteção animal. Acabou virando a razão da minha vida tirar animais das ruas e dar-lhes a chance de ter um lar.



*Não sei se consegui expressar tudo que sinto pelo Vitório pois é muito difícil escrever com os olhos encharcados e o coração sangrando...

Janine Figueiredo é analista de empréstimos no Banco do Brasil e mora em bsb há um ano e meio. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Posso Ficar com Ele?


Marcelinho voltava da escola, quando uma coisica preta e magrelinha passou chispando por entre suas pernas, indo se refugiar numa lixeira suspensa um pouco mais à frente.
Antes que ele pudesse ter certeza se era um gatinho, viu chegar o grande labrador dourado.
- Au! Au! Au! - latia ele, bem bravo.
Se Marcelinho não tivesse pulado para o lado, seria atropelado pelo cachorrão, que passou correndo e parou entre os pés da lixeira, apoiando as patas dianteiras no cesto, tentando morder lá dentro.
- Au! Au! Au! - fazia o cachorrão.
- Miau! Miau! - gritava o gatinho desesperado.
- Pobre bichano! - lamentou-se o menino.
Então, ele viu que o cachorro estava usando coleira e se aproximou cuidadosamente. Pegou a guia e chamou, puxando devagar:
- Vem, garoto, vem!
O cachorrão continuava bem zangado tentando pegar o gatinho, nem deu bola.
Marcelinho puxou um pouco mais forte.
- Vem! - ordenou, com firmeza.
O labrador parou de latir, desceu da lixeira e olhou para ele, ainda muito agitado.
- Isso! Muito bem... - elogiou ele, tentando acalmar o bicho.
Sem dar aviso, o monstrão pulou em cima do garoto, derrubando-o no chão. Deitado de costas, Marcelinho viu aquela boca enorme e cheia de dentes cada vez mais perto do seu nariz.
- Não me morde! Não me morde! - implorou ele.
Se o bichão entendeu ou se a idéia era esta desde o início, Marcelinho não sabe. Só o que ele sabe é que, ao invés de morder, o cachorro começou a lamber a cara dele.
- Não, não! Pára! Eu tenho cócegas! Pááára! - pedia o menino, quase sem respirar, de tanto rir.
- Zeus! Não! - gritou uma mulher.
O cachorro saiu de cima do garoto e correu na direção dela, feliz da vida.
- Senta! Seu feio! - ela brigou com ele. Ele sentou.
Ela, então, virou-se para Marcelinho:
- Você está bem?
- Acho que sim! - disse ele, se levantando.
- Desculpa o Zeus, viu? Eu estava distraída e ele saiu correndo...
- Não... Tudo bem. Normal. - disse o menino, sacudindo a poeira e limpando a cara babada na manga da camisa.
E ela, enquanto se afastava, com o cachorro saltitando ao seu lado:
- Só uma dica, viu? Nunca mais faça isso! Fosse outro, teria te mordido!
Marcelinho já ia explicando porque tinha agido assim, quando se lembrou do gato e correu até a lixeira para ver o bichano.
Encolhidinho e tremendo, lá estava o gatinho, só pele e osso e uns olhões arregalados para o menino, sem saber se ele representava uma ameaça, também.
Marcelinho pegou nele e, cuidadosamente, guardou-o dentro da jaqueta, que era larga o bastante para caber um gato pequenino como aquele.
- Você é um filhotinho, né? - ele conversava com o gatinho, enquanto corria para casa. - Aposto que está com fome!
O bichinho nem respondia, encolhidinho ali, no quentinho.
- Mãe, manhê! - Marcelinho entrou gritando. - Olha o que eu encontrei na rua! Posso ficar com ele?
E começou a contar a história toda, de como tinha salvo o gato da boca de um cão grandão que o tinha derrubado, de como ele tinha sido valente...
Mas dona Belinda nem o deixou terminar:
- Leva já isso embora! Que bicho mais feio e sujo! Deve estar cheio de doenças. - e empurrava o menino de volta para fora da porta.
Marcelinho saiu, inconformado.
- Ah, não! - disse ao seu novo amiguinho. - Depois de tudo o que você passou, não vou te abandonar de novo!
Correu para o fundo do quintal, e escondeu o bichano atrás de um pé de bananeira. Num pote de margarina colocou um pouco de água, fez uma caminha com uma caixa de sapatos, forrou com um pano velho e deitou ali o gatinho. Vendo-se aninhado, o pequenino descansou finalmente do susto por que tinha passado e fechou os olhinhos, exausto.
- Você não vai voltar para a rua, gatinho - sussurrou Marcelinho, olhando enternecido para o bichinho adormecido. - Eu vou cuidar de você. Vou te esconder de todo mundo, e vamos ser amigos. Mais tarde, venho te trazer comida, viu?
Depois do jantar, Marcelinho fez questão de ir dormir. A mãe ficou espantada com essa pressa em ir para o quarto. Era sempre uma dificuldade mandar o filho para a cama.
O que ela não sabia, é que ele só esperava uma oportunidade para sair. Assim que a casa aquietou, o menino levantou-se pé ante pé, pegou uma vasilhinha, encheu de leite e levou para o seu amiguinho.
- Gatinho! Ei, gatinho! - chamou. - O gato, fraquinho, abriu os olhos e, quando sentiu o cheiro do leite, avançou no prato e bebeu, bebeu, bebeu, até a barriguinha crescer, de tão cheia.
- Tava com fome, né? - e lembrou-se que o bichano não tinha nome. Pensou, pensou, viu aquela bolinha de pelos arrepiados, toda pretinha, e disse:
- Fofo! Você é muito fofo! Esse vai ser o seu nome.
Nos dias que se seguiram, a rotina era a mesma: antes de sair para a escola, ele levava o leite do gato Fofo e, assim que voltava, corria para vê-lo e brincar com ele. A mãe não desconfiou de nada, porque o quintal era grande, e o pomar escondia bem o menino e o seu gato.
Mas Marcelinho não sabia que leite de vaca dá dor de barriga em gatinhos filhotes. E o bichinho foi ficando triste e murchinho, o que deixou o menino muito preocupado. Não sabia o que fazer. Finalmente, num ato de coragem, resolveu falar com a mãe:
- Ele está doente, mãe!
- Ele quem, menino?
- O gatinho, mãe...
- Você não vai me dizer que escondeu aquele bicho aqui em casa! Onde ele está? - perguntou dona Belinda, furiosa.
Marcelinho ainda pensou em mentir, mas não ia adiantar. Precisava da mãe para socorrer o Fofo.
- No quintal.
Ela correu, com uma vassoura na mão, disposta a varrer dali o gato sujo. Mas, ao ver o arranjinho que o filho tinha feito, a caminha do gato, e este tão pequenino e indefeso dentro da caixa de sapatos, a raiva, a fúria, o nojo, tudo passou e ela percebeu que este serzinho dependia dela para viver.
Pegou nele, viu que estava muito quente e molinho. Não pensou duas vezes. Correu com ele para a Clínica Miau-Au, logo ali ao lado.
Enquanto aguardavam o atendimento, o menino acariciava o gatinho em seu colo:
- Fica bom logo, viu? - pedia ele, chorando baixinho.
O veterinário apareceu na porta do consultório e os chamou. Doutor Herculano era um senhorzinho grisalho e muito simpático. Gentilmente, pegou Fofo e o colocou sobre a maca, onde fez uma série de exames, ministrou vermífugo e indicou alguns medicamentos, com a orientação de voltarem dali a alguns dias para vacinar. Também sugeriu a castração.
- Castrar, doutor? Nunca! Que maldade! - disse ela, chocada.
Doutor Herculano, pacientemente, explicou a ela que o bichinho castrado está menos sujeito a doenças, fica mais tranquilo, arrisca-se menos, vive mais...
- Mas... Ele nunca vai ter filhotes?
- Não!
- Oh! Pobrezinho! - disse ela.
- Ah! Mas isso é bom! Quando castramos, diminuímos a quantidade de bichos nas ruas e assim, os que já existem têm mais chance de encontrar famílias para cuidar deles.
Dona Belinda olhava o filho, preocupada. Se algo acontecesse ao gatinho, o menino sofreria muito. O médico garantiu que era seguro.
- Bom! Vou decidir isso mais tarde. Agora, o importante é ele ficar bom logo.
O gatinho Fofo ganhou o direito a ficar dentro de casa, e a caminha dele foi colocada no quarto de Marcelinho que, radiante, cuidava dele com desvelo. Era ele quem avisava a mãe sobre o horários da medicação, e ele mesmo o alimentava, desta vez com a ração que o veterinário tinha indicado, própria para filhotes.
Fofo logo ficou bom, com tantos cuidados e mimos, e foi-se tornando um gatinho alegre e brincalhão, que corria e pulava pela casa toda e conquistou de vez dona Belinda, que nem pensou mais em se separar dele. Já fazia parte da família.
Na consulta de retorno, o doutor Herculano voltou a insistir sobre a importância da esterilização.
- Veja, dona Belinda. O Fofo agora é um adolescente, logo vai começar a fugir de casa, para paquerar as gatinhas da vizinhança.
Ele explicou que é nessas ocasiões que os animais se perdem, podem ser atropelados e se machucar nas brigas com outros machos.
- E mais! Tem gente malvada, que não gosta de gatos, joga pedras, chuta...
Marcelinho arregalou os olhos de medo. Já pensou? Onde já se viu, alguém fazer mal ao Fofo!?
Dona Belinda, convencida, concordou com a castração e marcaram a data.
No dia acertado, lá se foram Marcelinho, a mãe e Fofo, para a clínica. O gato ia feliz da vida com o passeio, apesar de estar faminto, por causa do jejum que precisou fazer. Os humanos iam apreensivos, porque, afinal, nunca tinham passado por essa experiência antes.
Na ante-sala, aguardavam que o doutor Herculano operasse o Fofo, atentos a qualquer barulhinho que vinha do centro cirúrgico. Dona Belinda rezava a São Francisco, pedindo que tudo corresse bem. O santo atendeu: não demorou muito, a porta se abriu e um auxiliar lhes entregou o Fofo, meio acordado, meio dormindo. Ele explicou que era por causa da anestesia e avisou:
- O doutor Herculano já vem falar com vocês. - depois, brincando com o Marcelinho, que parecia muito preocupado. - O senhor é o proprietário?
- Eu?? - espantou-se o menino. - Não! Ele não tem proprietário! Eu cuido dele, ele faz parte da família.
Doutor Herculano vinha chegando e ouviu este finalzinho de conversa. Sorrindo, concordou:
- Isso mesmo, Marcelinho. Animais não são mercadorias! São seres vivo! Não são propriedade de ninguém.
- Mas, se eles não têm dono, porque não deixá-los soltos? - perguntou o rapaz, provocativo.
- As ruas são perigosas... Quando nossos antepassados domesticaram os animais, eles se tornaram dependentes das pessoas para sobreviver.
Antes que o auxiliar fizesse mais alguma pergunta boba, doutor Herculano entregou a receita a dona Belinda, explicando direitinho tudo o que precisava ser feito para que o bichinho se recuperasse bem.
E Fofo se recuperou bem, cresceu forte, bonito, saudável, sempre muito bem cuidado pelo Marcelinho que depois de Fofo adotou outros bichinhos de rua, com a ajuda de dona Belinda.
E, sempre que alguém o elogia, dizendo que ele é um dono muito responsável, ele responde:
- Dono, não. Sou só responsável.


Gy Emygdio e Nena Medeiros são protetoras e escreveram este texto de ficção visando orientar as crianças sobre guarda responsável.
O gatinho da imagem é o Félix. Ele está para adoção no site da ProAnima. Veja mais...