quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Quem Tem Medo do Lobo Mau?



Apenas dois dias após o Natal de 2008, perdemos nossa querida Kitana (Kiki), uma Akita branca com quem vivemos por dez ótimos anos. Estávamos no final da construção de nossa casa e já sabíamos os lugares onde ela ia preferir ficar. Depois de pronta a casa, os lugares que imaginávamos para ela estavam vazios tais como nossos corações. Assim, começamos a cogitar sobre um(a) novo(a) amigo(a).
Enquanto sonhávamos com todas as raças, ressaltando a beleza de cada uma, minha filha Helena propôs a adoção. No início a idéia pareceu loucura, afinal todos os nossos cães, até então, tinham raça definida, eram lindos e puros e chegavam para nós filhotes ainda. A idéia não agradou de imediato.
Helena pesquisou as possibilidades e convenceu a mim e a minha irmã a visitarmos o canil. Ficamos terrivelmente consternadas com o que vimos. Vários cães se recuperando de todo tipo de agressão.... Entramos em contato com uma realidade que nem sequer imaginávamos existir.
A história de cada cãozinho partia nossos corações e, naquelas condições, feridos, subjugados, cada bichinho daqueles foi, aos poucos, nos conquistando. Decidimos adotar (vale ressaltar que fomos conquistados cada um a seu tempo pois é muito diferente sair de casa e comprar um lindo filhotinho e sair de casa para socializar com cães machucados, magros, traumatizados, doentes...).
De qualquer maneira, nos sentimos, de alguma forma, responsáveis pelo sofrimento causado àquelas criaturinhas tristes que nos olhavam com medo mas que, ao mesmo tempo, ansiavam por um minuto da nossa atenção.
Apaixonei-me pela Rebeca, uma linda Fila, que ainda se recuperava de suas mazelas. Aos poucos fui conquistando aquela gigante e ficava morrendo de alegria quando ela lambia (babava) todo o meu braço enquanto eu acariciava sua cabeçorra.
Rebeca ficava na primeira baia do canil e sempre que eu erguia a vista enxergava, lá no finalzinho, um cão todo brando que ficava sempre chorando. Não conseguia olhá-lo sem ver a Kiki, nossa Akita querida. Não olhava mais para ele mas já o amava, apenas por ter aquele pelo branco, escasso e sem brilho e as orelhinhas em pé, atentas a cada movimento nosso.
Numa certa manhã, chegamos no canil (Helena, Glória - minha irmã - e eu) e vimos o cão branco sendo levado para um passeio. Ao se aproximar, notamos a faixa que cobria sua anca e a falta de uma patinha traseira (para nós a falta da patinha é tão indiferente que tentei lembrar qual o lado e não consigo).
Lobinho ia tão feliz ao seu passeio que, ao passar por nós, deu uma rápida lambida em nossas mãos. Fazia três dias da amputação. Foi difícil conter as lágrimas frente àquela lição de vida.
Por algum tempo fiquei dividida...Rebeca...Lobo...Lobo...Rebeca. Até que chegou abril, mês de aniversário da minha irmã e perguntei a ela sobre o presente que gostaria de ganhar e, sem titubear, ela disse “o Lobo”. Respondi “fechado” (e abri o maior sorriso).
Lobo foi para nossa casa no dia 30/04/09. Chegou bravo, defensivo, seus pelos caindo em tufos, nervoso. À noite, fechamos o portão do corredor de acesso aos fundos da casa e o deixamos solto no quintal, não antes de prepararmos sua caminha confortável. Porém, ele uivou grande parte da noite a ponto de esperarmos reclamações dos vizinhos. De repente, ele ficou quietinho. Pensei “afinal dormiu”.
Quando o dia amanheceu meu marido abriu as cortinas da janela que dá para o jardim da frente da casa e viu um cão grande e vermelho, todo vermelho, e me chamou com uma interrogação no rosto: Gordinha, nosso cachorro é vermelho...? Olhei para o Lobo e caí na risada. O danado quis ir para a frente da casa e cavou por debaixo do portão, arrancando a grama e toda a terra necessária. Passou, mas ficou completamente vermelho de lama.
Nunca mais fechamos o portão lateral. Percebemos que ele tinha o hábito de cuidar da casa. Ficava instalado na frente da casa e latia e rosnava, caso as pessoas da rua chegassem muito próximo.
Com a família, no começo ele estranhou muito e mostrava as presas por quase nada. Tinha um ciúme enorme da Helena, o que me causou um apertão em minha mão, por acariciá-la. Tinha muito medo dos rapazes, meu marido e filho, ficando muito defensivo. Isso nos preocupou demais. Então, fizemos a “operação aproximação”. Ou seja, sempre com muito cuidado, cada um de nós deveria fazer um carinho, dar uma refeição ou um biscoito e, principalmente, falar com ele para que fosse acostumando com todos nós.
A cada carinho que fazíamos nele encontrávamos uma cicatriz, o que nos deixava arrasados.
Em torno do pescoço ele tem uma cicatriz de uns 3 ou 4 centímetros, certamente resultado de uma corda que deve ter cortado seu pescoço várias vezes.
Com um bom veterinário, boa ração e muito carinho ele foi se enchendo de pelos e de segurança e, a cada dia, conquistava ainda mais nossos corações.
Hoje, Lobinho toma remédios diariamente para controlar a dor provocada por uma artrose decorrente da falta da pata e outro para formar cartilagem entre os ossos. Alimenta-se de ração com baixas calorias (é difícil controlar o apetite daquele guloso) para que possa se deslocar sem maiores esforços.
No ano passado, a paz no reinado do Lobão foi interrompida com a chegada de sua irmãzinha, a Pipoca, outra sobrevivente. Ao contrário do Lobo (branquinho, grande, calmo e atento), a Pipoca é a mais pura vira-latinha que existe. Sabe aqueles cachorrinhos pretíssimos, de orelhinhas caídas e rabinho em pé que, infelizmente, vemos aos montes nas ruas? Pois é... Ela é alegre, brincalhona e não dá um minuto de sossego ao Lobo, que a adotou assim que a viu chegar, pequenininha e frágil. Pipoquinha, em seus primeiros dias de vida, passou fome e sede e quase morreu de inanição mas não sofreu a violência humana, graças a Deus.

Nossa vontade é de adotar muitos outros cãezinhos que precisam de carinho e cuidados, mas adoção requer, antes de tudo, responsabilidade. Assim, precisamos garantir, aos dois, todos os cuidados que precisam e, principalmente ao Lobão, os remédios que controlam sua dor.
Antes de se levar um animalzinho para casa é necessário conhecê-lo, ter sua confiança.
Imagine você indo morar na casa de um desconhecido que está te tirando das ruas mas que você não sabe como vai ser tratado, já que foi, por tantas vezes, mal-tratado. Ruim, não é?
É necessário dar o tempo que o cão necessitar para começar a acreditar na sua amizade e entender que você não irá machucá-lo.
Quando Helena, minha filha, sugeriu adoção, passamos por todos aqueles estágios: negação, medo, aproximação, paixão, amor e... outro cãozinho em casa. No nosso caso, um outro cãozão, já adulto, cheio de medos e manias. Um cão nervoso que custou a compreender que nós o queríamos. Hoje ele tem certeza absoluta do lugar dele em nossa casa e em nossos corações. É como se jamais tivesse sofrido, apesar das tantas cicatrizes em seu corpinho.
Lobo e Pipoca só querem ficar próximos, recebendo nossos carinhos e cuidados e nós podemos também, sentir o carinho deles por nós.
Sempre amamos nossos cães mas a adoção mostrou que podemos fazer muito mais por eles e, no final, quem mais ganha somos nós mesmos porque o amor deles é como o nosso...incondicional.


Ana Maria Brígido é a feliz adotante do belo Lobo, juntamente com sua irmã, Helena.



Um comentário:

  1. Leila Diniz falou uma vez que gostava de cafuné nem que fosse dado por um macaco. Quem não gosta de um gostoso carinho, não?
    Mais uma linda história.
    Beijos

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