quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

As Sete Vidas de Rita Lee




Minha Gata Rita Lee
(Joyce Moreno)

Quando você chegou em casa, foi coisa tão inesperada
Ali na porta abandonada a nos pedir casa e comida
Magrinha, magrinha, arrepiada, de pelo vermelho, olhos de fome
Eu não podia mesmo te dar outro nome, Rita Lee
E assim você foi adotada por todos nós alegremente
Oscar morava já com a gente, era igualmente um vira-lata
E apesar de serem cão e gata jamais houve dois mais companheiros
Jamais dois amigos assim verdadeiros, nunca vi

Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee
Sem pai nem mãe, sem pedigree, imprevisível Rita Lee
Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee
Sem pai nem mãe, sem pedigree, irresistível Rita Lee

Passava o tempo descuidada, sempre inventando brincadeiras
Saltos mortais de mil maneiras, deixando a gente distraída
E assim ninguém viu sua saída, talvez só o Oscar tenha notado
E a noite engoliu as suas sete vidas, Rita Lee
Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee
Sem pai nem mãe, sem pedigree, imprevisível Rita Lee
Ah, Rita Lee, por onde é que anda Rita Lee
Sem pai nem mãe, sem pedigree, irresistível Rita Lee

Minha mãe, princesa, vivia em palácio... Berço de ouro, coleirinha de veludo ou o contrário, não lembro bem. Sei que, um dia, ela aproveitou a porta aberta e largou a perna no mundo. Voltou, claro, que de vida mansa e comida farta, até eu, que sou bem boba, gosto muito.
Ganhou festa e chamego, brinquedos novos e outra marca de ração. Tudo para não querer fugir de novo.
Só não sabiam que ela trazia, desta vez, além de pulgas e carrapatos, eu e cinco irmãozinhos.
Fomos bem recebidos por ela e as crianças da casa. Ansiosos nos olhavam os outros: desmamássemos logo para tomarmos nosso rumo, que esperavam, fosse tão bom quanto o dela. Mas, longe. Bem longe dali.
Brincadeira divertida: nos punham na caixa, tornávamos a sair. Ficou sem graça quando fecharam a tampa. Escuro, calor e tudo tremia. Gritávamos para nos tirarem dali, chamamos a mamãe... Ninguém atendeu. Sacode para cá, sacode para lá... Enfim, abriram a tampa. Saímos dela correndo. Brincar de caixa, nunca mais. Cadê mamãe e as crianças? E o berço de veludo, a coleirinha dourada? Em grades vizinhas, outros bichos com as caras tristes de esperar. E logo entendemos que ali seria nossa casa, até que nos viessem buscar. Quem? Ninguém sabe... Mas eles vêm. E ficamos nós também ali, tristeza nos olhos fixos na porta por onde eles costumam chegar. Meus irmãos, bonitos como mamãe, aos poucos foram saindo. Com o tempo, mais alguns. E para cada um que nos deixava, outros tantos lá chegavam em vigília àquela porta. Um dia, enfim também eu pude por ela passar. Uma criança, linda, sorridente, pegou-me feliz em seus braços e disse “mamãe, é essa aqui”. Nunca antes na vida, senti-me tão especial. De novo tudo vibrando, de novo os sacolejos. Mas, no colo da Carol, eu me sentia no céu. Ali ganhei um nome: Mimi. A casa era bem simples e era tudo o que eu queria. Para ser feliz me bastava o sorriso doce e sincero daquela que me escolheu. E fui feliz por uns anos, até que ouvi dizerem que havia um bebezinho na barriga da mãe. Virei ameaça. Tentaram outro lar para mim. O tempo passou e o medo venceu. Levaram-me longe e foi lá que me deixaram. Tentei voltar sozinha, mas, sozinha não seguia. Tinha companhia: sede, fome, medo, cansaço, sol, chuva, frio, vento. Enxotada, chutada... até pedra jogaram em mim. Desacostumei de carinho, desconfiei de gente. Esgueirava-me. Parei numa porta, uma sombra, um cheiro, um oh! Fui recebida com alegria por outras gentes. E um tal de Oscar, sujeito bacana. Cachorro com alma de gato, ficou logo meu amigo. Bons tempos, aqueles! Havia música e eu ganhei nome de dama. Dama do Rock, Rita Lee.
Eu era quase feliz, mas nas noites de frio lembrava Carol, minha grande amiga, minha pequena dona.
Então eu a vi, do outro lado da rua.
Não pensei em mais nada, pulei a janela - vasei pela grade - e voei!
Corri ao seu encontro, um carro veio ao meu. Rolei pela calçada, nada mais eu vi então.
Senti-me como naquela vez, na caixa escura. Sacolejos... Mas a caixa, desta vez, era macia e me abraçava, e soluçava, e me pedia, entre lágrimas, para não morrer. E me chamava de Mimi. Abri os olhos e a vi. Minha criança, minha pequena dona, meu grande amor. Achei que era um sonho, não queria mais acordar. Era naqueles braços que eu queria morrer.
Ela não deixou. Cuidou de mim, incansável, dia e noite, noite e dia. Seus pais entenderam que eu não era um perigo. Bastaram alguns cuidados e o bebezinho chegou. Lindo, forte e saudável. E, ainda tão pequenino, já sorriu doce pra mim. Esticou-me mãozinhas gorduchas, queria me abraçar.
"Sete vidas já não tenho... vivo bem as que restaram." 
É o recado que hoje mando, para a Joyce e o Oscar.



Nena Medeiros é escritora e protetora e esta é uma história de ficção inspirada na música acima e em tantas histórias reais que vemos por aí. É também um jogo dos erros. Você saberia identificar os erros cometidos pelos humanos citados nesta história, que poderia ter tido um final bem trágico para a Mimi/Rita Lee?

Imagem da Internet.

2 comentários:

  1. Nena, seu conto é maravilhoso e me comoveu. Aliás todas as histórias deste blog, de ficção ou não, me deixam com lágrimas nos olhos. O único erro que notei foi com os adultos que acham que um gato pode fazer mal a um recém nascido. Não notei os demais.
    Beijos

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  2. Nena, vc é iluminada! Que texto excelente!!! E são mts os erros: não castrar a mãe, deixá-la escapar para a rua, não procurar lares responsáveis para os filhotes, se desfazer de um animal por causa de gravidez (esse é um dos piores!), abandono, posse irresponsável - mesmo o final sendo feliz, quanta coisa poderia ser evitada com um mínimo de consciência. E isso nós vemos nos bichinhos que resgatamos: quantos não estariam naquela situação se houvesse o mínimo de responsabilidade e humanidade dos seres ditos racionais. Parabéns, como sempre, AMEI!!!!!!!!!!!!!

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