quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

É a Vida, É Bonita e É Bonita!




Em 1993, em uma viagem de carro a Curitiba, visitei a Sociedade Protetora dos Animais e lá havia uma poodle cega abandonada. Naquela época alguém abandonar um cachorro de raça só porque ficou cego era inédito para mim. Eu havia perdido minhas 2 poodles tragicamente 4 anos antes. Quando vi a Mila, eu nem pensei, num impulso a coloquei dentro do carro e a trouxe comigo para Brasília. Mila havia vivido por 5 anos no pátio da SUIPA, um pátio quadrado circundado por casinhas, então ela só andava em círculos e dormia dentro de uma caixa de frutas, dessas de feira, pois os outros cães não a deixavam entrar nas casinhas.  Naquela época eu morava em apartamento. Dentro de casa a adaptação da Mila foi bem rápida, ela logo mapeou o lugar dos móveis e em poucos dias se sentia em casa, sem bater a cabeça em nada. Na rua levou uns 2 ou 3 meses para a Mila perder o condicionamento de andar em círculos e aprender a andar em linha reta. Como andava na coleira, logo nós criamos um código: uma puxadinha leve na guia significava um meio fio para descer, duas puxadinhas era pra subir. Em poucos meses a Mila adquiriu total confiança na mão que segurava a coleira, passou a andar mais rápido, e a não se assustar com os barulhos.  A Mila foi minha primeira adoção, e também minha primeira cachorra cega. Ela veio curar uma ferida de 4 anos, ferida aberta por ter perdido minhas 2 poodles tragicamente, uma atacada por outro cachorro e a outra atropelada, tudo ao mesmo tempo. A Mila reabriu as portas do meu coração e  me ensinou o quanto a gente se engrandece quando traz um cão abandonado para ser parte da família. Especialmente um cão deficiente.


Os anos passaram, muitos cães se foram deixando vazios enormes na minha alma, muitos outros chegaram e encontraram novos espaços (aqueles vazios nunca mais serão preenchidos, cada cão é único e deixa uma marca indelével no nosso ser), mas mesmo tendo 6 cães (na época) eu não sentia a minha família completa. Faltava alguém realmente especial, alguém que ninguém mais quisesse, faltava uma ceguinha na minha vida. Então procurando na internet descobri a Vida, no Abrigo  Augusto. Quando eu procurava uma ceguinha imaginava encontrar uma poodle ou uma cocker, cães que eu já tive e que é comum ficarem cegos. Não imaginava encontrar uma sheepdog. Me apaixonei desde a primeira foto que vi. A Vida tinha de ser minha, havia um lugarzinho esperando por ela no meu coração.
Sheepdog é um cachorro muuuuuito diferente de um poodle. E eu já não morava mais no apartamento, a vida em uma chácara tem uma outra dinâmica, a gente fica muito mais tempo do lado de fora da casa do que dentro dela. E havia outros 6 cães hiperativos e estabanados soltos no quintal. Ah, e o quintal tem nada menos que 10.000 metros e 370 árvores. Mas nada disso atrapalhou a adaptação da Vida na minha casa.

A primeira coisa que um cachorro cego se acostuma é com a voz do dono. Não é com o lugar dos móveis na casa, como eu havia pensado. A gente tem essa visão de que se localizar espacialmente é importante para o cachorro. Mas não é. Depois de uns 3 dias, quando a Vida aprendeu a reconhecer minha voz,  ela passou a uivar e ganir alucinadamente quando me ouvia chegar. Eu fiquei até preocupada se ela ia ficar bem enquanto eu saía para trabalhar. Como foi tosada logo que chegou, nos primeiros dias ela sentiu necessidade de abrigo, e resolveu que iria se esconder no meu closet! Por alguns meses eu tive uma sheepdog dormindo na primeira prateleira do seu closet! Mas cachorro se adapta rápido, e em poucos dias a Vida já conhecia meus horários, minha rotina, e o barulho do meu carro
Logo ela aprendeu a andar pela chácara toda. A Vida é muito auto confiante, só anda de cabeça erguida como se o mundo fosse todo dela. E não tem medo de bater em nada, se bater a cabeça numa árvore ela desvia e continua de cabeça erguida e peito estufado. Uma vez eu fiz um teste. A Vida estava num lado da casa. Eu saí pelo outro sem ela ver, e fui sem fazer barulho algum lá pro outro canto da chácara. De longe fiquei observando. Ela levantou, balançou o nariz, deu alguns passos. Balançou o nariz de novo, andou mais um pouco, virou para a esquerda, foi andando e balançando o nariz, e endireitando a rota, até chegar em mim. Ela nunca se perde na chácara. No começo eu tinha medo de deixar ela passear sozinha no quintal, ficar tomando chuva por não achar o caminho de casa. Que nada, isso nunca aconteceu. A Vida deita na frente da porta e fica com a cabeça levantada, só cheirando o ar. E sabe tudo o que está acontecendo. Ela é a dona da casa, os outros cachorros que passem por cima dela!


Mas o mais gostoso é que a Vida é totalmente grudada em mim! Ela não está nem aí para os outros cachorros (agora são 10!). Nem para os gatos. Mas não larga do meu pé nenhum segundo, eu vivo tropeçando nela dentro de casa. Sentar aos meus pés não é suficiente, eu tenho que sentar no chão, para ela ficar encostada em mim ganhando cafuné. Ou então ela deita em cima dos meus pés, pra não deixar eu sair de jeito nenhum, e eu tenho que ficar esfregando o pé na sua barriga. Ah, e a Vida adora visitas! porque visitas sempre fazem muita cafuné!!!
Acho que não tem cachorro no mundo mais feliz que a Vida. Nem dono mais feliz que eu! Enxergar? ah, isso é o de menos! Não faz a menor falta! Pergunte pra Vida o que ela mais quer nesse mundo e ela vai responder: só mais um cafuné!
Andréa Vidal  é servidora pública, mora numa chácara com 10 cães, 2 gatos e 5 cavalos. Todos adotados.

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