quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Uma Linda Experiência



Dia 30/09/2011, sexta-feira, saí para trabalhar e me deparei com uma cachorrinha linda, porém imunda, e prenha encostada ao muro que leva à garagem do meu condomínio. Parei o carro, olhei para ela por alguns segundos com o coração apertado e segui viagem, pois precisava ir para o serviço. Lá chegando, liguei logo para o meu marido, consolador de todas as horas, e contei o acontecido. Ele também ficou triste com a situação da cachorrinha, mas o caso meio que entrou no rol de "situações tristes que fogem ao nosso controle, fazer o quê?".
Horas depois retorno para casa e quem encontro? A mesma cachorrinha, exatamente no mesmo lugar, embora garoasse e fizesse frio. Juro que ouvi um violino tocar em algum lugar, para aumentar a tristeza da cena. Desci do carro e, conversando com os garagistas, descobri que ela ficara ali todo aquele tempo, praticamente imóvel, sem receber comida ou água pois virou regra do condomínio não permitir que funcionários alimentem os animais de rua, e os condôminos evitam fazer isso para que animais de rua não se fixem no local. Abaixei-me perto dela para checar sua reação, e qual não foi minha surpresa quando ela se aproximou sem nenhum receio, ainda com rabinho abanando! Desajeitadamente, por conta do enorme volume da barriga, deitou-se de costas como a pedir carinho, mas juro que estava me dizendo: "Veja só, moça, minha situação! Em plena época de chuvas, estou na rua e cheia de filhotes prestes a virem ao mundo!". Não precisei ouvir mais: pedi a um dos garagistas que me ajudasse a trazê-la até meu apartamento e improvisei uma vasilha com água e outra com arroz e ovo, tudo sem óleo. Não fazia idéia do que poderia ou não dar a ela naquela situação.
No meio de tanto improviso, comecei a chamá-la de Linda, pois era só o que me vinha à cabeça. "Como você é linda!". Logo percebi que Linda não se assustava com o barulho da televisão ou da máquina de lavar. Que só entrava num cômodo quando chamada. Que entendeu imediatamente que aqueles potinhos eram dela e que aquele paninho limpo no chão servia de caminha. Dormiu quase imediatamente, só acordando quando meu marido chegou em casa e quase infartou ao ver aquela cachorrinha tão sujinha e prenha de pelo menos 7 filhotes no canto da sala. Abanou o rabo assim que o viu e pronto, conquistou-o.
Àquela noite não dormimos. Fizemos vigília ao sono da Linda, pois temíamos que ela fosse parir ali mesmo, diante de duas pessoas inexperientes. Mas não, Linda acordou bem cedo na manhã seguinte e foi nos agradecer um tanto receosa, pois havia feito cocô no meio da cozinha e estava morrendo de vergonha. Nós a levamos ao veterinário assim que a clínica abriu, fizemos exames e foi constatado saúde perfeita e bebês em breve, mas ainda em alguns dias, e idade aproximada de 2 anos.



Como teríamos que trabalhar na semana seguinte, decidimos que ela deveria ficar com a minha sogra, pois ela teria tempo e espaço para cuidar da futura mamãe e seus filhotes. E lá Linda ficou e teve 9 filhotes no dia 12/10. Por ser feriado, tive o privilégio de assistir aos partos e por instinto, até entendi que precisava puxar alguns. Entendi, inclusive, que havia algum problema com a boquinha de alguns que não mamavam, então descolei-as. Eram 8 machos e 1 fêmea: Tapioca e Biju (todos branquinhos), Ébano, Bob, Bolt e Max (pretos com caramelo e branco), Urso, Paçoca e Caramelo (marrons). Vimos Tapioca ser naturalmente rejeitado por nascer muito pequeno e batalhamos para que ele sobrevivesse; vimos os filhotes firmarem as patas traseiras e abrirem os olhinhos; vimos a Linda ensiná-los a brincar sem ferir e a latir quando necessário; vimos a Linda recusar a mamada por estar com as mamas já muito feridas, no 35º dia de vida dos filhotes. Fomos a duas feiras de adoção, ambas um sucesso. Fomos criteriosos quanto aos adotantes e não nos arrependemos: todos estão saudáveis e felizes.
Ao final de tudo, torcíamos para que minha sogra ficasse com a Linda. Afinal, foram quase 3 meses de convivência! Mas não, Linda era bem-vinda para ser ajudada, mas não para ficar.
Nós a trouxemos de volta para o nosso apartamento no dia 20/12, sem saber ao certo o que fazer pois o tamanho dela não era adequado para o nosso espaço e conosco ela ficaria totalmente sozinha por 8 horas. Já constava anúncio dela em sites de adoção, mas nenhum interessado aparecia. Comecei a procurar casas para comprar e pessoas interessadas no meu apartamento para vendê-lo, mas não encontrava nada que pudéssemos pagar no momento. Desisti de um curso que havia planejado há meses para não passar mais tempo ainda longe dela. Tudo porque Linda merecia e merece. Quando já estava cansada de procurar em vão uma solução que fosse adequada para todos, recebo uma ligação de um rapaz interessado nela. Era dia 31/12. Levamos a Linda para conhecê-lo e foi amor à primeira vista, ao menos da parte dele. Conversamos bastante e percebemos que ali estava uma pessoa amante dos cães e bem entendida do assunto! Parecia um sonho, exceto que nosso coração estava rasgado. Por mais que racionalizássemos a situação - Linda viveria numa casa enorme em área nobre, com uma senhora de 50 e poucos anos e com outras duas cachorrinhas - a dor de perdê-la foi extrema. Quando a deixamos com os novos adotantes, ouvimos o choro dela ao longe conforme nos afastávamos de carro fazendo eco com o nosso. Sabíamos que um pedacinho de nós ficava com ela, e um pedacinho dela seguia conosco. Aprendemos que amar também é deixar ir.
Frequentemente recebo fotos e vídeos da Linda em seu novo lar, explorando o imenso território recém-conquistado e brincando com as novas amizades caninas. Cada nova informação de felicidade cicatriza um pouco mais nosso coração e nos deixa imensamente orgulhosos desse serzinho que não deixou a meiguice de lado ao atravessar o que possivelmente foi o momento mais difícil da vida; que se apoiou no meu corpo para fazer força durante as muitas contrações do parto; que permitiu serenamente que seus filhotes seguissem seus destinos em novos lares; e que soube compartilhar a dor da despedida e da saudade.
Às pessoas que me perguntavam se eu estava louca ao trazer um animal da rua para minha casa, ainda mais uma fêmea prenha, e ainda mais ao meu apartamento tão estiloso, sempre respondi o mesmo: minha alma era seca antes de ser Linda.








Marília tem 29 anos e trabalha numa Vara de Família. Adora animais e cresceu com dois poodles, hoje  bem idosos (um tem quase dezoito, o outro, mais de catorze anos), que vivem com sua mãe. Apesar de estarem ambos cegos e o mais velho já ficando surdo, ambos gozam de ótima saúde geral. Em palavras dela: "Amor em excesso estica a vida, sabe? ;) Tudo que sei sobre "paciência", "bondade" e "lealdade", aprendi com eles. E as lições "gentileza", "gratidão" e "resiliência", devo à Linda!"

Um comentário:

  1. Oi meninas, mais uma história emocionante. Estava torcendo para a Linda ter ficado com eles, mas foi melhor assim. Não seria muito bom a moçoila ficar sozinha o dia inteiro, né? Parabéns e sucesso para todas.
    Beijos

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