quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Um Pequeno Poço de Coragem


Meu filho precisava de um cão. Por recomendação do terapeuta, sua dificuldade em dormir em seu próprio quarto seria totalmente eliminada caso outro ser real compartilhasse o quarto com ele.
Eu não queria um cão em minha casa. Seria mais uma tarefa somada no meu dia a dia, já tão complicado com meus 3 empregos, 2 filhos, 1 empregada e nenhuma ajuda.
Fora isso, temos um grande problema na família, que é congênito: somos todos apaixonados por bichos. Tão loucos por eles que acabamos por nos dedicar completamente. Para nós, eles são pessoinhas, nada diferente dos seres que andam sobre duas pernas, falam e realizam diferentes coisas.
Ter cachorro em casa é ter outro membro da família.
E como não estava querendo aumentar o número de elementos familiares, era melhor não ter um cão (mesmo que os adorasse).
Mas, se era para ajudar meu filho a desenvolver sua segurança... poderia valer a pena.
Comecei a procurar, primeiramente observando cachorros na rua, com seus donos.
Vi muitas coisas interessantes. Vi alegres Golden-retrievers desfilando com seus donos, obedecendo a comandos e correndo para pegar bolinhas. Vi pequenos Cockers olhando apaixonadamente para seus donos. Vi lindos Shitzus cheios de lacinhos, andando rapidinho à frente da guia.
Meu filho mais velho, o maior interessado, chegou a decidir que seu cão seria de porte grande, fêmea, e se chamaria Mel.
Mais pé no chão, decidi que o novo membro da família seria um cãozinho de pequeno porte. “Pequeniníssimo” porte, se possível.
E que fosse quietinho, calmo, obediente, paciente e amoroso.
Li, pesquisei, perguntei e fui procurar um criador de Teckels. Os Teckels são também conhecidos como Dachshunds ou, para quem prefere, “salsichinha” ou “cofaps”.
Procurei os melhores canis de São Paulo e encontrei um que criava Teckels . Telefonei, contei toda a minha necessidade e perguntei se ele tinha algum para vender.
O dono do canil, após ouvir e fazer muitas perguntas, disse que não havia nenhum filhote para vender, mas que tinha uma matriz de Teckel de pelo longo de 2 anos que havia dado duas crias e que estava para adoção. Se me interessasse, poderia ficar com ela. Eu não pagaria nada, a não ser o valor da cirurgia de castração, pois ela só sairia do canil depois de castrada.
A princípio, achei aquilo bem esquisito. Na verdade, até então, só havia tido cães SRD e alguns de raça (mas sempre com algum “defeito”, que meu primo veterinário levava para meu pai, de vez em quando: um dálmata surdo, um boxer cardiopata, um dobermam com calo ósseo na bacia...). Pensei que ia comprar um filhote com pedigree, garantia de bons antecedentes comportamentais, personalidade definida pela raça e já preparado para fazer xixi no jornal. É, eu acreditava nisso, naquela época. Achava que a raça determinava tudo
Confesso que levei alguns dias para decidir ir conhecer a tal matriz que estava para adoção. O que seria ela? Por que estaria para adoção? Qual o problema da cachorrinha?
Mas fiquei curiosa e lá fomos nós, eu, meus filhos, minha mãe e minha irmã. Seriam necessários todos os olhos do mundo para descobrir o defeito oculto daquela criatura que estavam querendo me dar.
Fui apresentada à Linda Evangelista, linda Teckel de pelos marrons longos. Estava toda quietinha, medrosa.
Quando a vi, senti piedade por ela. Se eu não a levasse, quem a levaria? Alguém que a tratasse bem? Que lhe desse carinho? Ela estava acostumada com seus amigos no canil, comia uma super ração de qualidade. Ou seja, tinha uma vida legal, embora não parecesse que estivesse acostumada a receber carinho.
A partir daí, o criador e eu pudemos nos comunicar sem barreiras.
A Linda Evangelista foi uma cadela trazida de um grande criador, para São Paulo. Era perfeita em traços e padrões da raça. Seria uma ótima matriz. Cresceu, deu 2 ninhadas de cãezinhos perfeitos. Porém, ela não tinha leite para amamentar seus filhotes, o que inviabilizava sua atuação como reprodutora. Assim, foi decidido que seria colocada para adoção e disponibilizada para uma pessoa que pudesse dar a ela uma vida muito boa. E fui aprovada para ser a dona da Linda.

O criador é um capítulo à parte, nesta estória. É uma pessoa que sim, cria animais para venda. Porém faz um trabalho paralelo, em prol do bem estar animal. Tem parceria com um amigo veterinário para a castração de animais de rua. Não abusa da capacidade reprodutiva de suas matrizes. A maioria, depois de aposentada, fica morando na chácara onde ele também mora. Outras poucas são colocadas para adoção.
Sob os protestos do meu filho mais novo que dizia “mas eu queria um filhote, eu queria um filhote”, fomos para casa.
Com a Linda.
Rapidamente aquela cadelinha de canil foi se tornando a mais mimada e feliz cachorrinha de apartamento.
Dormia no quarto do meu filho. Quando mesmo se sentindo corajoso com a presença da Linda temia alguma coisa durante a noite, acordava-me perguntando “Mãe, a gente pode dormir aqui?”. A gente significava ele e a Linda
O propósito pelo qual ela veio para casa se efetivou: meu filho adquiriu a segurança sonhada. É lindo isso... Um serzinho de 3 quilos conferindo coragem e segurança a outro, muitas vezes maior...
E a profecia familiar se cumpriu: acabamos todos muito apaixonados pela Linda Evangelista. Já era! Estávamos todos amando uma cachorrinha, sem nem lembrar que se tratava de um animal. Era agora parte da minha família.
Os Dachs tem a coluna longa e os vets advertem: não permita que seu cão suba em sofás e camas pois ao descer, pulando lá de cima, podem comprometer a coluna. Mas a Linda não pulava lá de cima... Ela voava!
E o inevitável aconteceu: uma hérnia de disco apareceu e deixou nossa menina paraplégica.
Foram muitas as despesas com cirurgia, tratamento, fisioterapia, acupuntura... Foram muitas as noites de tristeza, ao ver que nossa menina não conseguia mais andar. Até que com o carrinho ela conquistou certa mobilidade, e nos deixou mais tranqüilos.

Ela não faz xixi sozinha, sem estímulo. De tempo em tempo temos que apertar sua bexiga para que não fique muito cheia.
Mas ela não parece nem um pouco preocupada por não poder mais andar sem o carrinho. Deitadinha em sua cama e fala “Au!”. E lá vamos nós com o pote de água para mais perto de sua boca. Depois ela fala “Au-Au!” E vamos dar ração na boquinha dela. Quando ela diz “Au-au-au-Au!!”, saímos correndo para buscar os courinhos que ela gosta de mastigar, porque a Linda Evangelista não sabe esperar. Ainda bem que ela fala!
Ela é terrível! Ensina os outros cachorros da família a latir, reclama, faz exigências... para depois virar a barriguinha para cima e ficar ronronando para que façamos carinho. Ela chora de alegria quando chegamos e pula no carrinho, para nos lamber. Temos que ir até o chão, para que ela possa nos fazer o carinho que tem para nos dar naquele momento.
É a cachorrinha mais valente da turma. É só aparecer um cachorro diferente no pedaço que lá vai ela, toda valente, latindo para o intruso.
E é linda, faz jus ao nome de Linda Evangelista.
Eu a amo demais. Não sei viver sem a companhia dela.
Adotar é tudo de bom.
Adotar um cão adulto é tudo de muito bom.
Adotar a Lindinha foi tudo de maravilhoso que poderia me acontecer. E está ainda acontecendo, Graças a Deus!



Aline é médica em São Paulo e vive em alegre sintonia com seu mundo selvagem, composto de 2 meninos e uma cachorrinha Lindinha.

4 comentários:

  1. Que história emocionante!

    É a primeira vez que ouço falarem bem de um criador. Ainda bem que existem.

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  2. São as supresas doS criadores de animais para vender, eles "farejam" OS que darão lucro e os que não darão. Prejuízo, é isso que eles não assumem. Bom esse criador? Menos mal, não matou e nem jogou na rua a cadelinha. Animais são seres vivos, com defeitos,doenças, problemas, mas dão alegria se forem acolhidos e amados. Felizmente, esta encontrou uma família consciente. Felicidades para todos. Mas vamos continuar lutando contra os criadores de "dinheiro". Vamos lutar para que os animais sejam o que são, seres vivos com direito à Vida e à Felicidade, mesmo não sendo de "raça". Raça pura lembra Hitler e Hitler é sinônimo de demônio. Vade retrum! Felicidade para a linda, Linda Evangelista, cadelinha corajosa e meiga e à família que a acolheu e arranjou a cadeirinha para a sua locomoção e qualidade de vida. Que sirva de exemplo para os gestadores de animais para venda e para quem compra animais. Falsos criadores de animais. As zoonoses estão cheias da animais para serem adotados, assim como as associações de proteção, verdadeiros defensores de todos os bichos. Todos têm direito à VIDA! Vida de amor, de acolhimento com problemas, defeitos, doenças e carinho. Acolhimento é amor e amor é algo maior que pedigree.

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