quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Trio da Terceira Idade

Sempre fui apaixonada por animais, especialmente por cães. Tive um quando era criança e morava com meus pais, mas, como eu dava água para o cachorrinho beber no meu copo, minha mãe resolveu doá-lo para minha tia que é médica veterinária.
Durante as férias escolares, passava o mês inteiro com ele na casa da minha avó. O cachorrinho viveu 16 anos e chorei muito quando ele se foi.
Depois tivemos um pastor alemão, com o qual, contudo, eu não tinha muito contato, pois ficava sempre no quintal. Acabei, assim, por ter medo do bichinho e perdi a chance de conviver com ele.
Antigamente, criava-se cachorro somente no quintal, sem interação com os membros da família; aliás, ainda hoje é assim, as pessoas enxergam o animal como um objeto que é útil apenas pra proteger a casa; quando fica velho, o animal é entregue na zoonoses ou mesmo jogado na rua. Lastimável!
Talvez, para compensar a falta que tive na infância, hoje tenho muitos cães e vou contar-lhes a história do trio da terceira idade, meus cães que são velhinhos.
São eles por ordem de resgate: Lia, Nanna e Gabriel.
Todos foram resgatados e adotados já idosos. E digo: vale à pena!


Um belo dia, estava voltando de uma feirinha de adoção, indo em direção à minha casa quando avistei um cachorro no balão do Jardim Botânico.
Parei o carro, atravessei a pista e fui em direção ao cão.  Até então, não sabia se era fêmea ou macho. O cão se assustou e correu em direção oposta.  Fiquei com medo que ele atravessasse a pista e fosse atropelado. Parei e fiquei sentada na grama esperando que ele confiasse em mim. Rezei e pedi a Deus que não se afastasse. Comecei a me aproximar aos poucos e deixei ração na metade do caminho, entre mim e o cão, e me afastei. O cão foi até lá, cheirou e começou a comer a ração.
Aos poucos, novamente, fui me aproximando até que ele parou de se afastar e deixou que eu chegasse perto. Quando cheguei pertinho vi que era uma fêmea e imaginei que estivesse no cio, pois ela estava sangrando. Conversei com ela e disse que não ia fazer mal, apenas queria ajudar. Quando vi mais de perto o sangramento, percebi que não era cio, e sim algum problema mais sério.
Novamente conversei com ela e disse: a tia vai te pegar no colo e levar para o hospital, não tenha medo, vou te ajudar.
Acredito que ela entendeu pois não ofereceu nenhuma resistência, não tentou me morder, ficou quietinha enquanto eu a carregava para o carro. Pus o nome de Lia.
Lia tinha TVT, tumor venéreo transmissível, doença muito comum em cães que vivem nas ruas. A doença é altamente contagiosa e é transmitida através de relação sexual, contato físico ou simplesmente pelo fato de um animal lamber o órgão contaminado.
Lia ficou dois meses no hospital fazendo quimioterapia. Até poderia fazer o tratamento em casa, mas eu tinha outros cães e corria um sério risco de a doença ser transmitida a eles.
Durante os dois meses, eu fui visita-la todos os dia e, quando ela ficou curada, levei-a para minha casa.  
No dia em que cheguei com ela em casa, essa cachorra pulava, corria, não sabia o que fazer de tão feliz que estava, parecia que ela sabia que seria a sua nova casa, a sua nova vida.
Lia é uma cadela idosa, não tem dentes na frente,  tem catarata, mas tem bastante energia. Ela brinca, corre, pula, se dá bem com qualquer cachorro, pede carinho, late e trouxe muita alegria para a minha casa.
Às vezes, à noite, antes de dormir, converso com ela e agradeço por ela ter confiado em mim no dia em que  a tirei das ruas.


A Nanna foi encontrada na porta do meu condomínio, na época do inverno, ou seja, numa noite muuuuuuuito fria.
Ela parecia estar com fome, então, fui em casa, peguei uma carne de latinha para cães e pus pra ela comer. Devorou tudo e, logo em seguida, não tive coragem de virar as costas, peguei-a no colo, pus dentro do carro e a levei pra casa.
Nesse mesmo dia, vi que ela estava inquieta, queria o tempo todo fugir, ir pra rua, cheguei a pensar que ela talvez tivesse filhotes. Pus, então, uma coleira nela e fui dar uma volta no comércio pra ver se ela me levava a algum lugar, mas não consegui obter nenhuma resposta e decidi, por fim, levá-la de volta pra casa. A possibilidade de largá-la na rua já estava descartada.
No dia dia seguinte, pela manhã vi, um líquido escuro escorrendo da vagina dela e não pensei duas vezes, liguei para a Dra. Claudia, do Hospital Veterinário São Francisco, e disse que ela precisava de uma cirurgia com urgência, pois tinha quase certeza de que era piometra.
Eu estava certa, Nanna foi operada na mesma semana, foi castrada e, após a cirurgia, voltou pra casa. Aos poucos, ela foi se acostumando com a nova vida e se deu bem com todos os irmãos.
É uma cadela muito tranquila, calma,  já é idosa, não tem dentes e tem catarata. É extremamente dócil e meiga, adora receber carinho e passa o dia tirando uma soneca. Sim, ela é preguiçosa, adora passar a tarde deitada no sofá. Tenho certeza que se abrisse o portão hoje, Nanna ia olhar e pensar: Ahhh! Quero mais é tirar minha soneca no meu sofá, sou feliz aqui.


O Gabriel, vulgo Bibiel, foi encontrado atrás do Extra do Park Shopping, em péssimas condições. Ele tinha uma dermatite em grau avançado, um sutian preso ao dorso e mais uma série de problemas que só foram descobertos depois.
Após o resgate, recebeu o tratamento adequado para dermatite, foram banhos intermináveis e medicação durante semanas, mas ele se curou da dermatite.
Estava também com otite, que, após o tratamento, foi curada. Contudo, o pior é que ele tinha displasia e, por isso, sentia muitas dores nas patas traseiras.
Gabriel fez uma cirurgia nas patas traseiras, que eliminou totalmente a dor. O que ainda resta, que é incurável, é a artrite, e, todos os dias, ele toma um suplemento vitamínico para fortificar as articulações.
Como suas irmãs Lia e Nanna, ele também tem catarata e é um cachorrinho idoso. Ele é mestiço de cocker, é muito rabugento, não gosta quando seus irmãos vêm brincar perto dele, porque, às vezes, acabam esbarrando nele e machucando-o. Ele rosna e late como quem diz: vão brincar pra lá, estão me machucando.

É ele quem manda na casa, todos o respeitam ou têm medo dele. Se os outros estão fazendo muita bagunça, brincado demais ou correndo, ele impõe ordem e todos obedecem.
Apesar de rabugento, ele é adorável, ama ganhar carinho, fica tão feliz que sai correndo pela casa, coisa que ele não pode fazer por causa da artrite. Gabriel não pode se esforçar muito, precisa evitar pular, correr etc. Mas, às vezes, ele fica tão feliz com carinho que sai correndo ou pulando e eu gritando atrás:
- Pára Biel!.
Junto com suas irmãs Lia e Nanna, Gabriel forma o trio da terceira idade da família e, convivendo com eles, posso dizer que adotar um cão idoso é muito gratificante.
Muitas vezes fico triste quando vejo as pessoas procurando filhotes pra adotar.
Não que adotar filhotes seja ruim, claro que não, mas perdem a oportunidade de adotar um cãozinho adulto e idoso. Perdem a alegria de ver o quanto são agradecidos por termos dado a chance de terem um lar feliz, uma segunda chance.
Infelizmente, as pessoas têm uma ideia equivocada de que um cão adulto não vai se acostumar com a nova família, não vai se adaptar com outros cães. Pois eu digo: a Lia, Nanna e Gabriel se adaptaram à casa, aos irmãos e trouxeram muita alegria! Eu me apeguei facilmente a todos eles, aliás, comecei a amá-los desde o primeiro dia em que os vi e, se Deus permitir, eles irão viver muuuuuitos anos.

Renata Dantas Leite é protetora em Brasília.

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