quinta-feira, 18 de agosto de 2011

UMA CARTA DE AMOR


Querido Chico,

Hoje resolvi lhe escrever, pois faz exatamente um ano que nos conhecemos.
Lembra? Era uma segunda-feira, dia 16 de agosto, 2010, noite.
Nos encontramos naquela praça escura, perto de um posto policial, eu, você, seus amigos, e nossa querida Aglay.
Diziam que você costumava aparecer por lá, sempre nos mesmos horários, quando, então, lhe eram destinados restos de comida e um pouco de água.
Talvez você não se lembre dos detalhes desse nosso primeiro encontro; eu, contudo, os tenho vivos em minha memória.
Não por eles serem agradáveis, muito pelo contrário, o que vi me deixou atônita!
Você ali,  cabisbaixo, andar trôpego, assustado; eu e Aglay, em nossa grande missão, sem saber ao certo como agir.
Pensei mesmo que a nossa aproximação seria algo impossível, pois o que esperar de um cão de rua, desconhecido, grande, ferido?
Embora ressabiado, você nos olhava de uma maneira diferente, parecia saber que não lhe faríamos mal. Talvez você acreditasse que aquela seria sua última chance de ver ceifado o sofrimento que as chagas lhe causavam.
Nos aproximamos lentamente e, no afã de comer aquilo que preparamos, você se rendeu calmamente e se lançou, de maneira certeira,  na lona estendida no chão.
Tudo da forma mais serena possível sob o olhar de seus companheiros.
Prostrado no chão, pudemos ver aquilo que lhe sugava a vida: uma enorme ferida, fétida como a morte, asquerosa, horrível! 
Meu Deus! Como foi possível suportar tudo aquilo? Não consigo imaginar você, com tamanha fissura em carne viva, vagando pelas ruas da cidade, em busca de alimento, de água, de um canto onde pudesse se restefelar sem ser escorraçado.
Mas isso agora é passado, o que importa é que você  se entregou ao nosso abraço amigo e pudemos lhe proporcionar o tratamento devido.
Engraçado que somente agora é que me dou conta de que nós é que escolhemos seu nome.
Ao entrarmos no hospital e sermos indagadas sobre como deveria ser chamado aquele que tombava na maca, não exitei em dizer: Chico.
Chico, diminutivo de Francisco, Francisco de Assis, santo de que sou devota.
Naquela noite de agosto, meu amigo, livramos você da morte iminente. Você foi tratado e conquistou a família maravilhosa que hoje te acolhe.
Não pense, contudo, que você nos deve alguma coisa, de forma alguma, nada é devido, não desejamos  nada em troca.
Ao contrário, hoje,  o agradecimento é nosso.
Você só nos proporcionou maravilhas!
Na luta para curá-lo, conhecemos pessoas solidárias, fizemos amigos, compartilhamos emoções e expectativas.
Salvá-lo trouxe à tona diversos sentimentos: paciência, fé,  alegria, determinação, superação, companheirismo.
Mais que isso,  tê-lo como parte de nossa história de vida reacendeu  a chama do AMOR, que tudo pode, que nós dá força e nos faz ter a certeza de que todo ser vivente merece, indistintamente, ser cuidado e respeitado.
Despeço-me, meu amado amigo Chico, na expectativa de nos encontramos em breve.
Ah, se você achar por bem, pode compartilhar esta minha carta. Quem sabe, ao lê-la, mais pessoas não se decidam por ter em suas famílias um animal doméstico e descubram o quanto  essa convivência é capaz de nos fazer crescer como seres humanos, não é?
Paz e Bem a nós, humanos, e a todos os seres viventes.

Suzana Coelho





Suzana Coelho é voluntária da ProAnima e ativa protetora.

6 comentários:

  1. Uma carta escrita com o coração, que retrata fielmente o sentimento de se resgatar uma vida, de se dar uma segunda chance a um ser que, de outra forma, estaria condenado à mais cruel das mortes, que é a lenta, agônica e dolorosa.
    Parabéns, Suzana, não só pela belíssima carta, mas principalmente pela coragem do ato que a inspirou. Da amiga, Gy

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  2. Gy, adivinhe se eu chorei ou não com essa emocionante história de amor?
    Vocês, realmente, são pessoas lindas e especiais!!!

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  3. Conheço o Chico. Acho que ele não sabe, mas eu o amo muito. Somos vizinhos e de vez em quando nos encontramos, ele com sua irmã peluda e sua amorosa mãe humana, eu com meu querido Miguilim. Acho que por já ter sofrido tanto, Chico me lança um olhar amedrontado (mas eu sinto que esse medo diminui a cada dia). Em seguida, saímos os cinco a caminhar, como se fôssemos uma única matilha. Finjo ignorá-lo, para que a iniciativa de aproximação parta dele. E sonho com o dia em que Chico confiará em mim o bastante para que eu o abrace. E nesse dia então serei feliz. Bem feliz.

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  4. Gy e Sônia, obrigada pelas palavras de carinho e incentivo.

    José Rezende, fico feliz em saber que nosso querido Chico anda conquistando novos amigos. De fato, ele sempre demonstrou receio com homens, mas, tenho certeza que, logo, logo, ele se renderá a seu abraço fraterno. Suzana

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  5. Texto fantástico!! Parabéns!!! A história dele foi linda.

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  6. Nós não temos palavras para agradecer o bem que você nos fez, Suzana...

    Um abraço carinhoso,

    Chico, Brigite e Ana

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