quinta-feira, 28 de julho de 2011

COM OS OLHOS DA ALMA, SE VÊ MAIS LONGE


Gy

Eu tenho, sob a minha guarda, mais de oitenta cães e uma égua. Porém, se tivesse que escolher só um para comigo atravessar um precipício, ou vencer uma enchente, seria a Maricota, carinhosamente chamada de Cotinha por todos nós, e adotada que foi, pelo meu coração, de forma muito especial.
Até onde pude acompanhar, esta cadelinha, a minha velhinha serelepe, viveu por quatro anos numa calçada de Brasilinha, na frente de um bar, cujo dono lhe dava água e comida, mas a mulher dele, que não gostava de cães, não o deixava pôr a bichinha dentro da casa, que ficava nos fundos do estabelecimento. Eu a vi, por várias vezes, atravessar duas pistas de muito movimento para se sentar à frente de um açougue, do outro lado da rua, e ficar horas abanando o rabinho e fazendo graça, até que um sonolento empregado lhe atirava um pedaço de sebo com que ela corria de volta para a calçada onde morava.
Depois de muita conversa, consegui que o Seu Henrique (mesmo nome do Bar) me desse a Cotinha – e foi bem a tempo – porque, com poucas semanas aqui em casa, manifestou a doença (diabete). Ela vem recebendo insulina canina diariamente e tem até uma madrinha, uma amiga muito querida, que paga a sua medicação.
Ela é muito pequenina, e alegre, apesar da idade avançada. A diabete já lhe prejudicou a visão, só enxerga sombras, mas está muito feliz aqui, onde defende o seu espaço e os seus direitos com muita garra e valentia.  A fidelidade que me dedica é tanta, que percorre a chácara onde moramos, utilizando-se basicamente do faro, para me encontrar, seja onde for. É comovente vê-la, no seu andarzinho cambaleante de quase-deficiente visual, tentando apoiar as patinhas com cuidado, por causa dos obstáculos, numa busca  que só cessa quando dá de encontro às minhas pernas. Aí, a alegria transborda, e é como se ela tivesse encontrado um tesouro, aquilo de que ela mais gosta...  que sou eu!  Toda orgulhosa, pego nela ao colo, e me enterneço às lágrimas, com aquela coisinha frágil e macia que tanto me ama.

Eu costumo compará-la à rosa que o Pequeno Príncipe tinha no seu asteróide que, com os seus quatro espinhos, achava que podia enfrentar os tigres... A Cotinha é assim, como a rosa descrita por Saint-Exupéry: totalmente frágil na sua pequenez, mas completamente convencida de que pode enfrentar o mundo.  Acho mesmo que foi esta aparente fortaleza que a manteve viva, na desigual luta pela sobrevivência que teve que enfrentar nas ruas.

Sei que vou sofrer muito quando ela se for.  Eu já devia estar acostumada com a morte dos meus amiguinhos, já perdi muitos ao longo destes anos em que lido com cães velhinhos e doentes, mas a Cotinha... Ah! A Cotinha... Essa vai deixar um vazio indescritível!

Gy é protetora e cuida, com desvelo de mãe, de mais de oitenta cães e uma égua, vítimas de maus tratos e abandono.

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